Ao completar 60 anos de existência em 2025, o Museu de Arte Contemporânea de Campinas (MACC) vive uma fase de transformação — não apenas estrutural, mas simbólica. O prédio na Avenida Benjamin Constant, fundado em 1964, que já foi espaço de vanguarda e resistência artística, agora se prepara para um novo ciclo. Com reformas em andamento e um projeto especial de preservação em curso, o MACC reforça seu objetivo de ser um espaço vivo de arte.
Em setembro de 1965, Campinas inaugurava o seu Museu de Arte Contemporânea (MACC) com o “I Salão de Arte Contemporânea” da cidade. O gesto não foi isolado — foi o ponto de chegada (e, ao mesmo tempo, de partida) de um longo processo de fermentação cultural iniciado nos anos 1950 por um grupo de artistas que, inquietos diante da rigidez acadêmica que dominava as artes plásticas campineiras, ousaram propor outra estética, outro modo de ver e pensar a arte.
Esse grupo ficaria conhecido como Grupo Vanguarda. Foram eles os precursores do MACC — não como instituição, mas como ideia.
Foto: Capa do catálogo Projeto Vanguarda, de Dayz Peixoto Fonseca
Nos anos 1940 e 50, Campinas ainda respirava o clima dos tradicionais Salões de Belas Artes, que aconteciam anualmente com a predominância da arte acadêmica. As obras vencedoras, geralmente retratos, naturezas-mortas e paisagens realistas, eram adquiridas pela prefeitura para uma Pinacoteca que nunca saiu do papel.
Nesse cenário engessado, artistas como Thomaz Perina, Mário Bueno, Geraldo de Souza, Maria Helena Motta Paes, Francisco Biojone, Enéas Dedecca e Geraldo Jürgensen, entre outros, começaram a buscar referências modernas. Influenciados pelas transformações trazidas pela Semana de Arte Moderna de 1922 e, mais tarde, pela criação da Bienal de São Paulo (1951), passaram a experimentar novas linguagens visuais, com destaque para a abstração, a estilização da forma e uma liberdade poética até então inédita na cidade.
Foi assim que, em 1957, o grupo organizou a “I Exposição de Arte Contemporânea de Campinas”, no saguão do Teatro Municipal Carlos Gomes. Ali, um espaço tradicionalmente dedicado à arte acadêmica recebia, pela primeira vez, telas modernas, provocativas, que despertavam reações apaixonadas — de encantamento a escândalo.
Foto: II Exposição de Arte Contemporânea, com membros da Vanguarda – Crédito: Correio Popular, 05/09/1957, extraída do livro “Thomaz Perina: Pintura e Poética”
Depois da primeira mostra, os artistas se reuniam em ateliês, debatiam estética, organizavam novas exposições. Em 1958, na “II Exposição de Arte Contemporânea”, lançaram um manifesto, escrito por Alberto Amêndola Heinzl, no qual expunham os princípios do grupo: não havia uma estética única, mas o desejo comum de romper com o passado e afirmar a arte contemporânea como linguagem legítima e necessária.
O nome “Vanguarda” não era à toa: indicava um movimento à frente do seu tempo, que abria caminho para a criação do próprio museu.
A demolição do Teatro Municipal Carlos Gomes — justamente o espaço que abrigara as primeiras mostras do Grupo Vanguarda — simbolizava o fim de uma era. Mas também acentuava a necessidade urgente de criar um novo lugar para a arte.
Foto: Demolição do Teatro Municipal Carlos Gomes, 20 de outubro de 1965 – Crédito: Aristides Pedro da Silva
Atenta a esse movimento, a professora Jacy Milani, então secretária de Educação e Cultura, articulou a criação do Museu de Arte Contemporânea de Campinas. O “I Salão de Arte Contemporânea” de 1965 marcou sua estreia oficial. A participação dos membros do Grupo Vanguarda selava o elo histórico entre o museu e esse coletivo de artistas que, sem patrocínio nem amparo institucional, abriram as portas da modernidade na cidade.
Inicialmente, o MACC funcionava em instalações provisórias da Secretaria de Educação, no antigo prédio da CPFL, na avenida da Saudade. Em 1974, graças à doação de 4 milhões de cruzeiros do empresário Roque Melillo, a construção da sede definitiva teve início. Concluída em 1976, a nova casa do museu foi inaugurada com a presença do então presidente Ernesto Geisel e a exposição “A Vida Essencial”, de Alfredo Volpi.
Ao se consolidar, o MACC recebeu, em 1983, o nome de José Pancetti, artista campineiro de origem humilde e trajetória extraordinária. Nascido no bairro do Taquaral em 1902, Pancetti viveu entre o trabalho braçal, a vida no mar como marinheiro da Marinha de Guerra e a dedicação quase obsessiva à pintura. Autodidata, tornou-se um dos maiores nomes da arte moderna brasileira, conhecido sobretudo por suas “marinhas” — telas de paisagens oceânicas, em que o lirismo e a solidão se fundem com a precisão técnica.
A escolha do nome Pancetti para o MACC é mais que uma homenagem: é uma afirmação de identidade. Um museu contemporâneo, nascido de artistas que lutaram pela liberdade de criação, carrega o nome de outro artista que precisou romper barreiras sociais, econômicas e estéticas para ser reconhecido.
Foto: José Pancetti – Crédito: Acervo MACC
Quase seis décadas depois, o espírito inovador do MACC continua vivo. Em 2024, mesmo fechado para reforma elétrica, o museu manteve sua pulsação com o projeto “MACC Vivo”, uma iniciativa de requalificação da reserva técnica — o espaço onde se guardam as obras que não estão em exposição.
Sob coordenação de Maíra Endo e apoio técnico de profissionais como Claudia Bianchi, Bruno Fedelli e Alexandre Silveira, o projeto modernizou o ambiente, instalando climatização, laboratório de restauro e sala de quarentena. “Evitar o choque térmico e garantir a higienização em ambiente isolado são fundamentais para a preservação das obras”, explica Juliana Vieira, organizadora do acervo.
O “MACC Vivo” é também um símbolo da força coletiva: nasceu da união de artistas e expositores que passaram pelo museu e se comprometeram com sua continuidade. Foi financiado por meio do ProAC e marca um ponto de virada na política de conservação do acervo público campineiro.
Em julho de 2025, o MACC comemora seus 60 anos com o projeto “Repertório Aberto”. A proposta é simples e potente: colocar o visitante no centro da experiência. A programação conta com oficinas criativas, atividades voltadas à primeira infância, rodas de conversa com nomes como Fábio Magalhães e Jorge Coli, e visitas bilíngues em Libras.
As exposições “Da raiz à pele”, de Márcio Elias, e “Cidades Invisíveis”, de Corina Ishikura, ampliam o leque das reflexões contemporâneas. O projeto educativo do museu assume protagonismo ao propor encontros e experiências que aproximam arte e comunidade.
Em seis décadas, o MACC não se limitou a abrigar obras — foi palco de ideias, rupturas, permanências. Deu voz a artistas locais, acolheu mostras nacionais e internacionais, formou públicos. Resgatou, ao longo do tempo, o gesto inaugural de seus fundadores: criar com liberdade.
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