A Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC) comemora 95 anos de história em 2024. Perto de seu centenário, este que é um patrimônio cultural imaterial chancelado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) em 2019, e a mais antiga do gênero em atividade no país, traz uma extensa e significativa atuação no cenário não apenas local, mas nacional.
Foi a primeira instituição do gênero a surgir em uma cidade brasileira fora de capital de estado, e é uma das poucas, senão a única, do interior do país a manter uma orquestra completa profissional.
Conforme o site da instituição, documentos de 1929 que vieram à tona em outubro de 2014, curiosamente encontrados por um cidadão em uma caçamba de lixo, comprovam que a Sinfônica de Campinas foi criada, formalmente, em 6 de outubro daquele ano, e teve como primeiro nome Sociedade Symphonica Campineira (SSC).
O concerto de estreia foi apresentado no dia 15 de novembro de 1929, sob regência do maestro Salvador Bove. Em 29 de dezembro de 1965 foi aprovada a Lei no. 3.421, que determinou que a orquestra passasse a ser mantida pela Prefeitura de Campinas, trâmite que levou alguns anos, o que permanece até a atualidade.
Com um arquivo musical composto de 3.068 obras catalogadas, entre elas obras originais manuscritas e até reconhecidas em cartório, a Sinfônica de Campinas segue fazendo história, democratizando o acesso ao público e popularizando a atuação da orquestra, um movimento iniciado pelo inesquecível maestro Benito Juarez, e hoje sob a batuta do carioca Carlos Prazeres.
O início
Foto: Sociedade Symphonica de Campinas por volta de 1930. Foto tirada provavelmente no antigo Teatro Municipal Carlos Gomes, que foi demolido. Acervo do Centro de Memória da Unicamp
Um trabalho que pesquisou a trajetória da orquestra entre 1929 e 1974 (*), resultado de uma bolsa de iniciação científica do músico Gabriel Angelo da Costa, que envolveu a professora titular de Etnomusicologia do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp, Suzel Ana Reily, e a doutora em Música pela Unicamp, Lenita Nogueira, que foi curadora da orquestra e responsável por redigir os programas entre 2003 a 2019 (com exceção de 2005), revela vários aspectos da história da Sinfônica, que teve nomes diferentes ao longo de sua trajetória. Em seu início, no ano de 1929, tinha a denominação, portanto, de Sociedade Symphonica Campineira (SSC) (há também uma tese de doutorado sobre o tema em andamento com o tema: “A Sociedade Symphonica Campineira (1929-1953): trajetória e representação no cenário musical de Campinas”, sendo elaborada pela historiadora Mariana Cândido, com orientação da professora Lenita Nogueira).
Ainda de acordo com a pesquisa citada acima, a cidade de Campinas tinha um forte sentimento de orgulho, já que o grande nome da música erudita brasileira, Antônio Carlos Gomes (1836-1896), era campineiro. Tanto que, segundo o músico e ex-secretário de Cultura de Campinas Ney Carrasco, no início a orquestra era mantida por cidadãos voluntários e músicos sem vínculo empregatício.
Esta vocação para a música nascida na cidade teria sido importante como argumento para efetivar a criação de uma orquestra, ainda segundo o estudo dos pesquisadores. Mas em 1953, o grupo encerrou as atividades por motivos financeiros e só cinco anos depois é que surge o segundo período que dará origem a OSMC.
O reinício até o maestro Benito Juarez
Em 1959, as atividades são retomadas pelas mãos do maestro Luiz Di Tullio e do pianista Mário Di Tullio. Recebe o nome de Orquestra de Concertos Maestro João de Tullio, uma homenagem a João de Tullio, que foi músico, compositor e regente da Banda ÍtaloBrasileira. Inicialmente apenas com violinos, foi sendo ampliada, mas sem contar com nenhum financiamento oficial.
Ainda segundo o estudo dos pesquisadores, em 1963, o monsenhor Emílio José Salim, reitor da Universidade Católica de Campinas, interessou-se pela recriação de uma orquestra na cidade, e no dia 18 de fevereiro de 1963 promoveu a criação da Orquestra Universitária Campineira (OUC), que juntou músicos da antiga SSC com a Orquestra de Concertos Maestro João de Tullio. Assim, passou de um conjunto sem apoio financeiro para uma estrutura mais sólida, com maior estabilidade para os músicos da orquestra.
A pesquisa destaca uma novidade deste período que foi o fato da OUC servir para treinamento e experiência para os alunos do Conservatório Musical Carlos Gomes e da Faculdade de Música da Universidade Católica, incentivando a formação de novos músicos.
Em 1968, o conjunto orquestral, ainda de acordo com a pesquisa, adquire de maneira oficial o status “Municipal”, que ocorreu devido ao Projeto de Lei nº 3421, de 29/12/1965, regulamentada pelo decreto nº 2.840, de 31/08/1966, mas somente iniciou o seu funcionamento em janeiro de 1968. O processo consolidou definitivamente a estrutura e os recursos financeiros do conjunto. Assim, se transforma na OSMC, por meio de um acordo do município com o reitor Emílio José Salim.
Seguindo até 1975, quando se inicia uma nova era com a chegada do maestro que marcou a história da Sinfônica: Benito Juarez. O músico e ex-secretário de Cultura Ney Carrasco conta que trabalhou com Juarez desde 1982 e, nos 25 anos de trabalho do maestro, a “orquestra esteve em seu auge de popularidade”, diz.
Segundo Carrasco, os concertos de Benito se tornaram populares. “O maestro misturava músicas populares com eruditas em vários locais da cidade, democratizando o acesso à orquestra”, destaca. O músico promoveu arranjos de MPB com outros estilos tipicamente brasileiros, tendo feito concertos ao lado de Gilberto Gil (1991), Milton Nascimento (1994), Chitãozinho e Xororó (1998), dupla que, aliás, estará no concerto de aniversário de 250 anos de Campinas agora em 2024, entre outros.
Além disso, conta o ex-secretário, Benito teve grande participação na retomada da OSMC no Festival Internacional de Inverno de Campos de Jordão, um dos festivais de música mais conhecidos do país, o que ocorre até hoje. “A orquestra ia todo ano se apresentar, mostrando um aumento de seu alto nível profissional a cada ano que passava, lotando os auditórios e marcando sua história”, comenta.
Entretanto, o feito que traduz o legado de Juarez aconteceu em 1984. No final da Ditadura Militar no Brasil, o movimento das “Diretas Já” crescia exponencialmente no país e, dentro de Campinas, não foi diferente. O maestro passou a apresentar concertos como forma de manifestação a favor das eleições, disseminando a cultura musical e incentivando o apoio social à democratização no Brasil. Durante o último ato público, em abril de 1984, no Vale do Anhangabaú, na capital paulista, Juarez comandou a Sinfônica de Campinas na execução do hino nacional, acompanhada por um coro formado por uma multidão de 1,5 milhão de pessoas cantando, emocionada, ao som da OSMC, que ficou conhecida com a “Orquestra das Diretas”.
Imagens do filme “Orquestra das Diretas”, de Cauê Nunes, que estreou em Campinas em 2022 e percorre festivais
“Ao perguntar na rua quem conhecia a orquestra, era muito raro alguém dizer que não. Todos sabiam a respeito dos concertos, mesmo que nem todos já tivessem ido conhecer”, comenta Carrasco.
Durante o período de trabalho da curadora Lenita Nogueira, em suas notas publicadas sobre os concertos, ela diz que buscava manter uma linguagem que as pessoas pudessem entender, do mesmo jeito que seu professor universitário ensinou, o próprio Benito Juarez.
O maestro também foi responsável pela criação do Curso de Música Popular na Unicamp, além de ter sido um dos responsáveis pela criação do Coral da USP. Esteve à frente da OSMC até 2000. Morreu em agosto de 2020, com 86 anos.
Veja no vídeo um pouco mais sobre a história do maestro, com apresentação de Ney Carrasco (enquanto secretário), em 2020, em que faz uma homenagem a Benito Juarez por ocasião de sua morte:
A orquestra hoje
Depois de Juarez, o maestro que ficou por mais tempo à frente da orquestra foi o chileno Victor Hugo Toro. Com mais de 500 apresentações, ele permaneceu como regente por 10 anos, entre 2011 e 2021.
Foto: o maestro Victor Hugo Toro/Campinas.com.br
Atualmente, a OSMC está sob o comando do maestro Carlos Prazeres, que assumiu o posto em 2022, estreando justamente no concerto de aniversário de Campinas daquele ano (veja entrevista realizada na ocasião). Também regente da Sinfônica da Bahia (OSBA) desde 2011, ele diz que há sempre uma grande expectativa em relação à Sinfônica de Campinas por ela ser uma das mais conhecidas do Brasil e por sua importância histórica. “O grande desafio aparece pelo seu crescimento. Temos nos tornando mais relevantes a cada dia e precisamos corresponder a essa expectativa com o público e os músicos”, diz.
Foto: Carlos Prazeres. Crédito: Firmino Piton/divulgação
Em 2023, foi aberto um concurso público para contratação de novos músicos para a orquestra após 13 anos sem novas admissões. De acordo com a secretária de Cultura, Alexandra Caprioli, 26 vagas foram abertas e 1030 candidatos se inscreveram. “Isso mostra como a orquestra possui uma perenidade e uma certeza de que ela vai resistir, visto que a aderência para fazer parte desse conjunto continua alta”, comenta.
Ainda sobre os maestros, há uma exposição de fotos de todos os regentes da história da Sinfônica, no saguão do teatro Castro Mendes, hoje a casa da orquestra (que deverá voltar a ser o Centro de Convivência, no Cambuí, a tradicional sede da OSMC, após a conclusão das obras de revitalização do espaço).
Temporada 2024
Foto: concerto de apresentação da Nona Sinfonia de Beethoven/Campinas.com.br
A temporada 2024, que começou em março, segue até dia 14 de dezembro com o tradicional “Concerto Especial de Natal”, que este ano será o “Ballet Quebra Nozes”, conforme anunciou a Prefeitura no início do ano. Estão previstos cerca de 40 concertos.
Entre as apresentações realizadas até agora, destaque para o concerto do Dia das Mães com a cantora Zizi Possi; o concerto de encerramento do Festival de Música Contemporânea com participação de João Bosco; o concerto em que foi apresentada a famosa “Nona Sinfonia” de Beethoven, com participação de solistas e três coros, no início de junho (foto acima); algumas apresentações em igrejas da cidade, entre outras.
Ainda estão na agenda de 2024 o show especial em comemoração ao aniversário de 250 anos de Campinas, no dia 14 de julho, com participação da dupla Chitãozinho & Xororó, na praça Arautos da Paz, às 18h; concerto especial no Teatro Municipal de São Paulo, em agosto; concerto Especial para Crianças, em outubro (Game Concert); concerto Especial do Mês da Consciência Negra com o cantor Chico César em novembro, entre outros.
Para mais informações, acesse: www.osmc.com.br.
(*)”Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas: trajetórias entre 1929 a 1974″ – acesse o link
Com a colaboração de Ana Ornelas – estágio supervisionado pela jornalista editora Sara Silva
(Foto no alto: concerto de Natal de 2015, na Concha Acústica do Taquaral. Crédito: Campinas.com.br)
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