Por Stela Calafiori
Em 2023, a Corporação Musical Campineira dos Homens de Cor, ou simplesmente Banda Homens de Cor, de Campinas, celebra seus 90 anos de fundação. Criada em uma época quando manifestar a sua cultura e participar e atividades sociais não era uma opção para os negros da cidade, a corporação enfrentou as dificuldades e sobrevive até hoje com recursos próprios, além do amor e dedicação de seus músicos, construindo um verdadeiro legado de resistência.
Nas primeiras décadas do século XX, os traços de segregacionismo e rejeição do período anterior ainda permaneciam. “Naquela época, quando – raramente – um negro tinha a oportunidade de integrar um grupo musical, ele ficava posicionado nos fundos, onde menos pudesse aparecer”, relata Elisete dos Santos Conceição, uma mulher que é a presidente do grupo há quatro anos, e herdou todo conhecimento sobre a história da banda nos 20 anos de envolvimento com o projeto, e lembra dos relatos que ouvia de seu antecessor, José Antonio (já falecido).
Em busca de um espaço onde pudesse manifestar o seu amor e talento para a música, o maestro João de Oliveira Sebastião Marques fez da sua casa, no Centro de Campinas, um espaço cultural para receber todo o tipo de público, juntamente com os amigos Benedito Evangelista Xavier, Venâncio Pompeu e o maestro Álvaro Jorge de Oliveira, e começou ensinar música. Assim, nascia a banda, lá nos anos 1930.
“Foi o meio que encontraram para realizar as suas rodas de samba, bailes e fazer da arte um instrumento de luta pela dignidade. Sob a coordenação do maestro Álvaro, também criaram uma escola de música, onde, apesar dos poucos recursos, e próprios, compartilhavam o conhecimento que adquiriram sobre a música para filhos, netos e quem quisesse aprender. Foi neste contexto que a Banda Homens de Cor contou, na sua primeira formação, com 14 músicos”, relata Elisete.
Fundada oficialmente em 11 de junho de 1933, a Banda Homens de Cor sempre manteve a casa de João de Oliveira como sua sede. “Ele construiu um cômodo nos fundos para morar e doou o salão principal para promover as atividades culturais. Eram os próprios membros que sustentavam a corporação, pagavam despesas, reformas, pinturas, material didático e até instrumentos musicais”, completa.
E, mesmo com todas as dificuldades, João de Oliveira persistiu e fez com que muitos músicos que integrassem no projeto sem o mínimo de conhecimento musical se formassem até que a Banda Homens de Cor se profissionalizasse e desse início às suas apresentações nas praças e coretos da cidade, mais de 10 anos depois, por volta de 1945, quando começou a ter visibilidade pela sociedade. “Foi nesta época que começaram os convites para tocar em projetos culturais da cidade, bailes, procissões, e foram ganhando espaço na cultura da cidade”, relata Elisete.
Uma luta constante para manter a banda viva
Quando João de Oliveira faleceu, os músicos da corporação se uniram para comprar a casa que pertencia aos dois filhos do maestro, que ainda segue como a sede da corporação. “Desde sempre foram os próprios membros da banda que a sustentou. Ainda contamos com o aluguel da casa dos fundos, onde João vivia, para nos manter. Além disso, ainda podemos contar com algumas doações de materiais para a manutenção do local”, enfatiza a presidente.
Foto: a presidente Elisete dos Santos Conceição ao lado de outros músicos na sede da banda/arquivo pessoal
Durante a pandemia, a situação chegou a se agravar com a saída do inquilino e uma invasão no prédio da sede. “Vários fios foram furtados e parte do telhado foi quebrada. A situação ficou ainda pior pelo fato de paralisarmos as novas atividades, em razão das restrições, já que parte do cachê ficava para arcar com alguns gastos”, lamenta Elisete.
“Recentemente, recebemos da Secretaria Municipal de Cultura uma proposta para fazer a reforma da nossa sede e ainda a compra de alguns instrumentos. Mesmo com esta ajuda, ainda precisamos de mais. Também pudemos contar com a ajuda para uma pequena manutenção do imóvel, fizemos um mutirão para a pintura recentemente; conseguimos um novo inquilino… Mas ainda precisamos de muito, para dar conta das despesas diárias, documentação e material para os nossos alunos”, completa, contando que também depende de apoio para dar sequência ao programa de ensino musical, que está sendo estruturado pela corporação.
Participação de todos e todas
Foto: músicos da Banda Homens de Cor na sede da corporação/arquivo pessoal
O grupo é aberto a pessoas interessadas, independentemente do sexo, credo, raça, etnia, opiniões políticas, etc, tal como foi concebido em sua ata de fundação.
Atualmente, a banda é composta por 25 músicos, homens e mulheres, que ensaiam quinzenalmente aos sábados, a partir das 14h30.
“Contamos com trombone, saxofone, clarinete, trompete, flauta, flautim e percussão. Hoje, metade da formação é composta por mulheres, o que é um marco em nossa história, já que antigamente elas também não tinham espaço”, comenta a presidente.
Elisete, aliás, aprendeu a tocar saxofone depois de adulta, insistindo no sonho de criança. Sem recursos, ela começou a estudar em um projeto gratuito de ensino de música na Unicamp e com instrumento comprado com ajuda da família e ‘vaquinha’ promovida por amigos. Foi lá que conheceu um professor da banda, e acabou abraçando e sendo abraçada pela corporação.
Com tantas histórias de superação e resistência, a corporação segue viva, e mantendo o nome de origem. “Representa uma história muito importante para nós, da força do povo negro que lutou diante das dificuldades de encontrar em espaço na cultura campineira”, reforça. “Para encerrar, gostaria de dizer que as nossas portas estão sempre abertas para novos talentos e, claro, para quem já tem experiência com a música. Queremos dar sequência a esta história tão importante para a nossa cultura e fazer a nossa banda crescer mais. Estão todos convidados”, finaliza.
Banda Homens de Cor
Local: Rua Luzitana, 127 (esquina com a Uruguaiana), Centro – Campinas.
Mais informações: e-mail [email protected] / Instagram @banda.m.h.c1933; (19) 99266-4162 ou (19) 99355-0411 / bandahomensdecor.blogspot.com
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