Blog do Vinho

Vinhos “made in China” chegaram e vão ficar

por Suzamara Santos
Publicado em 5 de fevereiro de 2020

Catálogo da wine.com.br: produto começa a chamar a atenção dos brasileiros. Fotos: Divulgação

Você também se admirou com a eficácia da China ao construir, em apenas 10 dias, um mega-hospital para atender as vítimas do coronavírus? Não devia, pois as notícias de lá (boas ou más) acontecem e se espalham em ritmo acelerado não é de hoje. Dá pra dizer que vindo de onde veio, nada é surpresa. O interesse chinês pelo vinho, por exemplo, chama a atenção do Ocidente pela consistência e veemência com que o país de posiciona nos dois lados do balcão.

De um lado, a China é praticamente uma predadora na importação/consumo de vinhos finos, entenda-se, franceses, claro. Por outro, gesta sua própria vitivinicultura, favorecida pela mão-de-obra barata e disponível, pelo fôlego financeiro para investimentos ousados e pelas vastas superfícies para espalhar vinhedos e mais vinhedos. Os primeiros clones de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc chegaram à China na década de 1990 e logo encontraram endereço certo nos extensos desertos do país.

Grandes empreendimentos estão mudando o paisagem de Ningxia

Não demorou nada e o primeiro grande feito dessa indústria marcou o ano de 2011, quando um tal rótulo Jia Bei Lan 2009, que então ninguém conhecia, ganhou o prêmio principal no Decanter World Wines Awards. Quem é do ramo certamente se lembrou de uma espécie de profecia, atribuída a Robert Parker, que diz mais ou menos assim: “Os chineses vão dominar o negócio do vinho. Eles gostam de chá, portanto sabem apreciar taninos; a cor vermelha tem valor cultural importante no país; e, por fim, eles têm dinheiro pra gastar.”

Sobre esse último quesito, soou quase uma afronta entre os orgulhosos franceses a compra do Chateau La Bastille, de Bordeaux, em 2015, pela simpática Nan Ping Gao, empresária que conseguiu superar o desdém com que foi recebida e converteu numa espécie de ponto de intersecção entre França e China. Essa, digamos, intromissão chinesa no mundo do vinho está cada vez mais perto de nós, brasileiros. Degustações temáticas ainda são novidade, mas já deixaram de ser inéditas. No próximo dia 19, por exemplo, acontece no Espaço Poldi Wine Excelência uma degustação dedicada aos vinhos chineses. É segunda vez que o painel de cinco rótulos é reunido, agora “a pedidos”, como informa a produção do evento.

No mesmo movimento, importadoras brasileiras apostam na curiosidade dos consumidores e já disponibilizam “made in China” em seus catálogos. Por enquanto, quatro regiões produtoras se destacam: Ningxia (Centro-Norte), Shandong e Hebei (Leste) e Xinjiang (Noroeste). Dessas, merece mais atenção, Ningxia, que antes do vinho, não passava de um fim de mundo, lambido pelo Deserto de Gobi, entre as montanhas Helan e o Rio Amarelo, portanto, zero de atrativos econômicos. É onde o espírito realizador chinês se revela com mais ênfase.

Changyu: castelo inspirado no Vale do Loire: tudo pelo vinho

O que era uma paisagem lunar, em uma década se transformou em promissora região vitivinícola, com vocação inclusive para o enoturismo. Lá está, por exemplo, o Changyu, um castelo típico do Vale do Loire, na França, que remete a um parque de diversões temático, erguido para atrair famílias inteiras. Em Ningxia são mais de 200 propriedades “construindo” o vinho nesta região, entre elas o Greatwall, Dynasty, além das grifes francesas Möet Chandon e Pernod Ricard.

O lugar que está dando certo, não por acaso. A região conta com o apoio entusiasmado do governo, que acredita que é possível convencer o apreciador local que o produto da casa merece espaço na adega e que ele não precisa recorrer à França para tomar bons vinhos. Nesta questão reside talvez o maior obstáculo à popularização do vinho chinês. O país precisa neutralizar a fama de falsificadores que carrega como uma herança maldita. Se vencer esse desafio, em breve, o vinho Pigeon Hills, uma aposta do Estado na região, vai disputar espaço nas mesas chinesas. Para quem ainda não se convenceu da força dos chineses é bom saber que o país já é o sétimo produtor mundial e despeja no mercado anualmente 1,4 bilhões de garrafas.

Painel da degustação no próximo dia 19, no Espaço Poldi, em Campinas

Se considerar que a China está entre os países campeões de consumo no mundo, ao lado de França, Itália e Estados Unidos, dá para intuir que uma mudança no olfato e paladar chinês terá reflexos no mercado internacional. Será que os países que mandam suas garrafas para lá vão gostar disso? Enquanto isso, o governo segue fazendo o que sabe, ou seja, abrindo estradas, construindo palácios, contratando e formando especialistas e, importante, dando emprego a uma população pobre, com poucas perspectivas de ascensão social.

É o caso dos muçulmanos Hui, os que, literalmente, pegam na enxada em Ningxia. É preciso destacar também, o sucesso das mulheres na condução do negócio do vinho neste deserto. Wang Fan e Emma Gao são duas estrelas da enologia local que pisam neste universo com inteligência e faro. É o que nos mostra o episódio Reinado do Terroir, da série Rotten, da Netflix (já comentada neste blog), para quem quiser se aprofundar no tema. Lá estão a paisagem, os enólogos, os trabalhadores braçais e os conflitos de um mercado tão especial.

Ficou curioso?

Vinhos Chineses: Degustação Espaço Poldi Excelência Vinhos, Av. Jesuíno Marconder Machado, 2031. Dia 19-02-2020, 20h. Ingressos: R$ 95. Reservas: 19 98848-6162

 

 

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