Eu perdi as contas de quantos pores de sol fotografei da sacada do prédio onde moro. Muitas vezes eu queria apenas contemplá-lo, mas como não guardar os registros dessa eterna dança de sol e lua? Eu passei a registrar cada pôr de sol quando me vi isolada em meu apartamento. O isolamento começou antes do isolamento da pandemia. Uma solidão se instalou em mim até que, quando me dei conta, se transformou em solitude. Seguiu uma ordem essa mudança e variou conforme os dias de sol, de tempestades, encobertos por nuvens escuras, dias antecipados de noite; dias explodindo de despedida amarelo-laranja. Que pintura!



A cada instante em que parei para assistir ao movimento de partida do sol, meu coração, meus pensamentos se acomodavam. Um jeito de me comunicar. Uma maneira de dizer olá!
Todos nós sabemos que o tempo não é palpável, ele não para e recomeça.
Todos nós sabemos que o que recomeça é o calendário humano, necessário para organizar o nosso tempo.
Tempo, esse que vai nos esculpindo com as rugas que não queremos, nos lembrando que não somos eternos e, portanto, por mais cremes que passemos, cirurgias que façamos, botox que nos injetemos, esquece, o tempo senhor de si, sim nos recorda que ele permanece, nós, não!
O tempo não tem passado e nem futuro.
O tempo é!
Jamais seremos a mesma pessoa que éramos. O pôr de sol nunca se repete, nem o anoitecer, ainda que as estações do ano, demarcadas, se sobrevenham. Nós igualmente não somos os mesmos a vigiá-los. Então, no decorrer desse tempo Chronos – o cronológico -, nós passamos por mudanças esperadas, planejadas, desesperadas, indesejadas levadas no turbilhão do tempo Kairós, impossível alcançá-lo.
E quando regresso a este ano, de amargura, de medo, vazio, desesperança, percebo que esses sentimentos angustiantes nasceram e morreram entre um dormir e acordar; se alternaram em pequenas alegrias, descobertas, redescobertas, encontros, reencontros, conquistas, derrotas. Ora, como um pôr de sol reluzente; ora, um pôr de sol enegrecido. Os dias envelheceram.
Fico a remoer os mortos pela Covid-19. Nesse quintal do mundo, inocentes se apagaram no chumbo grosso dos politiqueiros, esses que nos envergonham, miram o próprio umbigo e seu diminuto curral. Eles não saem do palanque. Brasileiros morreram e morrerão na conta da estatística dos insanos: de covid, de fome, morte matada, morte anunciada, morte morrida na mira de uma arma fardada ou civil a pôr fim ao tempo humano.
Portanto, dia 31 de dezembro o tempo circunscrito aos quadradinhos dos dias e meses não vai mudar de rumo, de prumo. O tempo da física fluirá absoluto, indomável.
A mim cabe celebrar a vida a cada despertar em nome dos que se foram fora de hora. Elas, eles, merecem o meu respeito. Como merecem o meu respeito os que lutam na linha de frente dessa pandemia. Ela escancarou o quanto estamos longe de sermos pessoas humanas, respeitosas.
Não consigo alcançar a amargura e desespero desses profissionais da saúde surtando em meio ao desperdício de vidas porque deixamos cair de vez as nossas máscaras. O que se revela nesses rostos desnudos não é bom de se ver. O escárnio e o egocentrismo festejam a nossa falência como sociedade.
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