Pensar Psicanalítico

Sobre o “perder” – Ou: o nosso caminhar de cada dia

por Vagner Couto
Publicado em 2 de agosto de 2024

 

Fui tocado por essa imagem – tão eloquente em mostrar dois extremos da linha da vida em um mesmo foco. Num, o brasileiro Guilherme Costa, o “Cachorrão”, e, noutro, o alemão Lukas Martens, cada um em seu momento: este, comemora o seu ouro na prova de natação nas Olimpíadas, e, o outro, lamenta nem mesmo um bronze ter conseguido…

 

Em um mundo que tanto privilegia o sucesso, isso toca em um tema que diz respeito às minhas histórias e memórias – o “perder”, e em como lidar com isso, tantas foram as perdas e as sensações de fracasso que experimentei.

 

Desde muito cedo somos treinados, ou amestrados, a ter sucesso na vida – um “sucesso” muito bem definido e estabelecido por um sistema de coisas e valores que tem os seus interesses nisso… – e que se insinua em nosso psiquismo de forma às vezes doentia, pois nem sempre admitimos nossa limitação ou incompetência de um bom jeito, nem sempre nos conformamos por não conseguirmos algo que queríamos, nem sempre admitimos não termos razão num assunto – e por aí vai a distorção…

 

Por conta dessa visão distorcida sobre o sucesso, ouvi, em um determinado momento da minha vida, de pessoa muito próxima, que eu era um “fracassado” – e aquela nódoa grudou em mim qual um sanguessuga, a qual carreguei por muitos anos qual uma pedra de mil toneladas, até que, por conta de meus exames e processos, pude compreender que o que me era imputado como fracasso era, na verdade, o que me fazia um vitorioso em ser quem e como sou.

 

Todos estamos sujeitos a não conseguir algo que queremos, a perder coisas que nos são significativas, a desistir de alguma coisa, ou a não querer algo que quase todos querem. Muito vezes não mantemos ou não alcançamos situações que não temos como controlar, que obedecem à ordem natural das coisas, ao fluxo da vida e ao modo como ela se organiza e funciona, onde aspectos como efemeridade, inconstância, impermanências e perecibilidade significam, simplesmente, “mudança”.

 

Assim, ante o choro do Cachorrão, vale a indagação: o que realmente ele perdeu, ou não conseguiu, que era realmente pra ele? Enfim: se ele fracassou, qual é o seu real fracasso? Qual é a lição que ele estava precisando aprender?

 

É não compreensão de alguns aspectos da vida, por limitações da nossa condição humana, que nos faz, muitas vezes, ter a sensação de perda, de fracasso, de perda do objeto. É essa (falta de mais) condição que, muitas vezes, não nos permite conseguir o que desejamos, não achar meios de remover uma dificuldade, que nos faz errar o caminho pra chegar ao lugar pretendido ou não obter a vitória consagradora.

 

Por isso, na vida, sempre somos sujeitos a vivenciar a circunstância de perder, abandonar ou desistir – mas, nem sempre, qualquer uma dessas circunstâncias presume ser ela um fracasso. Por mais que ainda não compreendamos, existe uma finalidade pra tudo que acontece e pra todas as coisas que amamos, queremos e buscamos, que permeia a tudo e a todos e é dirigida e dominada por uma força superior em que somos sustentados e conduzidos ao real sentido de estarmos aqui.

 

Temos um manancial de possibilidades dentro de nós. Esse manancial é o que somos, é o repositório de nossas histórias e memórias. Pra Psicanálise, esse manancial é o inconsciente, lugar psíquico de subjetividade, que acolhe nossas pulsões de vida e morte, lugar do Eu e de todo sentido que emana nossa razão de existir. Pra espiritualidade, esse manancial é um depósito de sentimentos, uma dimensão a ser revelada, conhecida e tornada consciente – que, muitas vezes, se dá através da dor que sentimos com o que nos acontece e nos tece qual um tecido que nos vestirá com o sentido do entrecruzar dos fios da teia da vida.

 

Quanto a Guilherme Costa, bem… – desta vez ele não conseguiu o que queria, mas, com 25 anos de idade, ele foi diversas vezes medalhista e recordista nas mais importantes competições do mundo. Entre elas, os Jogos Olímpicos de Tóquio, onde terminou em 11º lugar, e, agora, os Jogos Olímpicos de Paris, onde, mais uma vez, bateu seu próprio recorde e terminou em 5º lugar, cumprindo seu caminho de se tornar melhor que si mesmo e ainda com tempo pra trocar as lágrimas por um sorriso.

 

Saber perder, deixar ir, ou mesmo desistir de algo, fazem parte do saber viver. O que, muitas vezes, é tudo que precisamos pra poder ocupar um lugar melhor em nossa própria vida.

 

 

COMO LIDAR COM TUDO ISSO? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.

Para falar particularmente com o autor, use: 19 99760 0201 [zap] ou vagnercouto1@gmail.com

 

Vagner Couto, psicanalista, com especialização em Psicoterapia Psicanalítica Breve, aperfeiçoamento em Psicoterapia Psicanalítica de Casais e formação em Psicoterapia Energética Corporal, tem mais de 40 anos de vivência em instituição dedicada ao autoconhecimento, à expansão da consciência e à espiritualidade. Poeta e escritor, é autor de “Documento sobre a colheita do algodão”, “Admirável momento novo”, “A estrela da manhã” e outros escritos. Jardineiro, ama cultivar pessoas e cuidar delas.

Foto original: Míriam Jeske/COB (Comitê Olímpico do Brasil) / www.cob.org.br

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