Clint Eastwood é uma quase unanimidade na indústria cinematográfica, tanto como diretor, quanto como ator. O realizador de 84 anos é aclamado como uma lenda vida e continua empolgando a cada novo filme lançado. Não seria diferente com “Sniper Americano” (2014), o novo longa do diretor, estrelado pelo ator Bradley Cooper. “Sniper” é um excelente filme de guerra, tenso nos momentos certos e que consegue mostrar toda a maestria de Eastwood por trás das câmeras. Maestria essa adquirida nos muitos anos que o nome Eastwood esteve ligado aos westerns, “aprendendo” com realizadores como Sergio Leone, Don Siegel, entre outros. Portanto, não é de causar estranheza que, em “Sniper”, as cenas de batalhas, em um cenário extremamente árido, sejam “coreografadas” e decupadas como os “antigos” filmes de faroeste.
“Sniper” conta a história de um atirador de elite americana, Chris Kyle (Bradley Cooper), que tardiamente se alista no exército, fazendo parte dos SEALs. Enviado para o Iraque, Kyle se torna uma lenda como franco-atirador, exímio e certeiro em seus disparos. Paralelo a essas idas e vindas ao oriente médio, temos o dia-a-dia de Kyle, com esposa e filhos e como a guerra causa estranhamento no seu retorno à vida afetiva e familiar. Bradley Cooper domina o filme de ponta a ponta, entregando uma performance que talvez seja a melhor de sua carreira até então, enquanto Sienna Miller, no papel da esposa, faz o possível para parecer crível mesmo com pouco tempo em cena e com a pouca profundidade dedicada à essa personagem.
Mas, mesmo sendo um filme tão bom e acima da média, porque “Sniper americano” não funciona a contento?
O primeiro grande erro dessa empreitada de Eastwood é a escolha do material narrativo. A história apresentada é extremamente ufanista, com excesso de bandeiras americanas tremulantes no horizonte, quase uma ode ao quanto é necessário servir ao seu país, no caso os Estados Unidos da América. Claro que Eastwood não é ingênuo ao construir um filme apenas pautado nesse conceito, ele tenta desviar nosso olhar para uma “quase” crítica à guerra e as mazelas do retorno desses homens as suas casas (Guerra ao Terror, de 2008, já havia feito isso de uma forma mais categórica). Mas isso ainda parece pouco para nos engajar nessa narrativa, esse “outro” filme sobre um homem repleto de sequelas advindas de um conflito que não mais permite sua reintegração social, que pareceria muito mais interessante, é pequeno perto do tempo desperdiçado com as longas cenas de batalhas.

O segundo problema diz respeito à falta de uma melhor contextualização histórica e na aposta aos velhos clichês do gênero. Kyle sente-se motivado a servir ao exército após os ataques de 11 de setembro, cena que ele vê na televisão, abraçado com a esposa. Minutos depois já o vemos em treinamento e sendo enviado para lutar no Iraque, como se a sua motivação maior, o 11 de setembro, fosse conectado a essas missões em solo iraquiano. Por sua vez, os iraquianos são apresentados daquela velha forma clichê que tanto já vimos em filmes de guerra americanos (anteriormente eram os índios, os russos, etc): eles são os heróis enquanto os personagens iraquianos, sauditas, israelense ou todo o oriente médio, são os grandes vilões da vez. É uma proposta muito unilateral vinda de alguém como Eastwood, que tem em seu currículo duas obras que mostram o mesmo conflito por dois pontos de vista, o americano e o japonês: A conquista da honra e Cartas de Iwo Jima, ambos de 2006, obras essências e de grande completude na carreira do diretor.
Se ainda não bastasse Kyle é um assassino, pago pelo governo americano, que conta com mais de 160 mortes em seu currículo. O único momento que vemos uma provável redenção da personagem, que pela primeira vez clama para não puxar o gatilho, ainda é pouco para ameniza-lo de seus contornos fascistas. O que mais assusta é que o trabalho de interpretação de Bradley Cooper consegue humanizar mais o personagem do que, dizem, ele realmente era.
Ao ver tudo isso, um personagem que se torna uma lenda, praticamente ovacionado no final do filme como um grande herói (não posso dar mais detalhes para evitar o spoiler), é de uma ojeriza absoluta. Uma pena que venha embalado junto a um grande filme de ação e um produto com a qualidade de Eastwood que dessa vez mirou, mas acertou o alvo errado.
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