“Onde acaba o amor têm início
o poder, a violência e o terror”.
Carl Gustav Jung
Saudado pela crítica como uma mistura de Pedro Almodóvar com Quentin Tarantino, o filme argentino “Relatos Selvagens” (2014), está um pouco além dessas referências fáceis. O diretor Damián Szifrón consegue nos mostrar um lado perverso e intolerante da natureza humana que facilmente pode ser “ativado” através de pequenos surtos que desencadeiam reações que crescem e culminam em consequências catastróficas, algumas à beira do nonsense, recheadas de humor negro, com uma rara acidez até então pouco vista no cinema de “nuestros hermanos”. Grande sucesso nas bilheterias argentinas, “Relatos” parece que vai repetir esse feito por onde passa: foi bem recebido no Festival de Cannes, lotou sala na 38º Mostra de São Paulo e é o filme que a argentina indicou para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro desse ano.
Todo esse sucesso se deve a forma catártica com que o longa de Damián Szifrón transforma pequenos problemas do dia-a-dia (burocracia, vingança, traição, o poder do dinheiro, etc), mostrando-os de uma maneira exagerada, mas muito próxima daquilo que realmente temos vontade de fazer para lidar com essas agruras que nos rodeiam.
Relatos, guardando as devidas proporções, nos lembra “Um dia de Fúria”, filme norte-americano de 1993 com Michael Douglas, no qual um homem perde o emprego e surta, causando um enorme alvoroço pelas ruas da cidade, enquanto vai ao encontro da ex-esposa e da filha. Seria o homem um animal violento por natureza? As regras impostas pela sociedade é o que nos mantém a capacidade de inibirmos nossa violência? E quando o instinto fala mais alto do que todas as amarras sociais? Sem perder o poder de reflexão, “Relatos” nos leva por uma sequência de risadas que há tempos não tínhamos em apenas um filme.
Temos aqui vários “dias de fúria”, são seis histórias, sem ligação nenhuma entre elas, que nos conduzem por narrativas na qual as personagens estão à beira de um ataque de nervos (por isso a comparação com Almodóvar). Apresentando algumas irregularidades no decorrer do filme, Szifrón é hábil em colocar duas histórias “certeiras” em sua narrativa, uma na abertura, que diz muito sobre o tipo de humor que nos aguarda, e outra no encerramento do filme, que nos mostra uma “conclusão” do que (talvez) poderá nos salvar de toda essa violência que nos parece inata. Szifrón termina sua epopeia tragicômica acreditando que a única forma de redenção para todo esse caos ainda seja o amor, mesmo que esse amor não seja da forma romantizada que convencionamos acreditar.
Pode parecer pouco ou clichê, mas em tempos que amizades são destruídas via facebook apenas por oposições políticas, torna-se interessante refletir, depois de todas as gargalhadas dadas (algumas um pouco nervosa por nos reconhecermos em certas situações apresentadas), que uma sociedade que ame mais, que perdoe mais, talvez seja o único caminho que deveríamos percorrer.
Veja o trailer:
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