Há mais podridão por trás da valorosa bandeira da República de Cargibeia do que seria razoável supor.
– O algodão utilizado na confecção obrigatoriamente deve apresentar atestado da região de procedência, ser cultivado com defensivo e fertilizante homologados pelo governo e fornecido em fardos de dimensões e pesos absolutamente exatos, determinados por legislação específica. As exigências são tantas que a não-conformidade acaba sendo a regra, fazendo com que milhões de arrobas de algodão sejam incineradas todos os meses pelos chamados “fiscais da bandeira”, por não atenderem às normas exigidas antes do processo de fiação e tecelagem do nosso símbolo maior. É quando um novo e gigantesco lote de algodão é adquirido, outra vez reprovado, incinerado e assim sucessivamente – numa verdadeira sangria aos estoques reguladores da commodity.
– Quando prontas, um exército de mulheres passadeiras e dobradeiras é recrutado para acondicionar as bandeiras em contêineres oficiais adquiridos em licitação ilícita. Uma vez repletos, os contêineres seguem para um condomínio de galpões industriais, onde são estocados para suprimento conforme a demanda. Tais mulheres trabalham em regime de escravidão mas recebem gordos contracheques como servidoras estatutárias, dinheiro que por elas é forçosamente devolvido no ato do recebimento e em seguida desviado para utilização como caixa de campanha.
– Laudo microbiológico identificou traços de cocaína em 17 das 18 amostras de bandeiras recolhidas para análise, fato que sugere a utilização dos contêineres para armazenamento de outros e suspeitos produtos.
– Os mastros das bandeiras, para uso em salas de aula nas escolas públicas, deveriam ser confeccionados em madeira de lei da reserva indígena de Caixipó. A madeira de lei, na verdade, é um tanto quanto fora da lei, pois é desviada para contrabando. Os mastros acabam sendo produzidos em resina barata, de baixa resistência e durabilidade.
– Após instaladas, uma equipe volante executa os testes de desempenho por meio da USV – Unidade Simuladora de Vento, que nada mais é que um gigantesco ventilador de 4m de altura. Os técnicos da equipe desfraldam a bandeira, ligam a USV e analisam o comportamento da mesma tremulando, para aferir se causam o efeito cívico desejado.
– Quando mingua a farra com o dinheiro público, um novo Estado da Federação é providencialmente criado. A bandeira ganha uma nova estrela, e todas atualmente em uso são recolhidas e destruídas em grandes máquinas retalhadoras – estas sim adquiridas conforme o figurino, para não dar bandeira.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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