Consoantes Reticentes…

Querido símbolo da terra

por Marcelo Sguassábia
Publicado em 10 de maio de 2014

 

 

Há mais podridão por trás da valorosa bandeira da República de Cargibeia do que seria razoável supor.

– O algodão utilizado na confecção obrigatoriamente deve apresentar atestado da região de procedência, ser cultivado com defensivo e fertilizante homologados pelo governo e fornecido em fardos de dimensões e pesos absolutamente exatos, determinados por legislação específica. As exigências são tantas que a não-conformidade acaba sendo a regra, fazendo com que milhões de arrobas de algodão sejam incineradas todos os meses pelos chamados “fiscais da bandeira”, por não atenderem às normas exigidas antes do processo de fiação e tecelagem do nosso símbolo maior. É quando um novo e gigantesco lote de algodão é adquirido, outra vez reprovado, incinerado e assim sucessivamente – numa verdadeira sangria aos estoques reguladores da commodity.

– Quando prontas, um exército de mulheres passadeiras e dobradeiras é recrutado para acondicionar as bandeiras em contêineres oficiais adquiridos em licitação ilícita. Uma vez repletos, os contêineres seguem para um condomínio de galpões industriais, onde são estocados para suprimento conforme a demanda. Tais mulheres trabalham em regime de escravidão mas recebem gordos contracheques como servidoras estatutárias, dinheiro que por elas é forçosamente devolvido no ato do recebimento e em seguida desviado para utilização como caixa de campanha.

– Laudo microbiológico identificou traços de cocaína em 17 das 18 amostras de bandeiras recolhidas para análise, fato que sugere a utilização dos contêineres para armazenamento de outros e suspeitos produtos.

– Os mastros das bandeiras, para uso em salas de aula nas escolas públicas, deveriam ser confeccionados em madeira de lei da reserva indígena de Caixipó. A madeira de lei, na verdade, é um tanto quanto fora da lei, pois é desviada para contrabando. Os mastros acabam sendo produzidos em resina barata, de baixa resistência e durabilidade.

– Após instaladas, uma equipe volante executa os testes de desempenho por meio da USV – Unidade Simuladora de Vento, que nada mais é que um gigantesco ventilador de 4m de altura. Os técnicos da equipe desfraldam a bandeira, ligam a USV e analisam o comportamento da mesma tremulando, para aferir se causam o efeito cívico desejado. 

– Quando mingua a farra com o dinheiro público, um novo Estado da Federação é providencialmente criado. A bandeira ganha uma nova estrela, e todas atualmente em uso são recolhidas e destruídas em grandes máquinas retalhadoras – estas sim adquiridas conforme o figurino, para não dar bandeira. 

 

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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.

Blog:

www.consoantesreticentes.blogspot.com

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