Dia 13 de junho de 2020 passou e uma das festas mais tradicionais do nosso país ficou em branco. Dia de Santo Antônio, no calendário religioso dos católicos. A pandemia esvaziou as filas quilométricas para pegar fatias de bolo com medalhinhas com a imagem do homem que nasceu Fernando, em 1195, em Portugal, e se tornou Antônio ao entrar para a vida religiosa; primeiro como monge agostiniano e depois franciscano. Quantas e quantas vezes eu comi um pedaço do bolo ofertado a mim por uma amiga querida e companheira de redação, Lizzy. Ao mesmo tempo que eu comia com expectativa de encontrar uma medalha sentia um medo danado de a engolir. Ninguém sabe dizer ao certo porque Antônio se tornou o santo casamenteiro. Talvez porque – apesar de ser um intelectual – era uma pessoa simples, excelente ouvinte, conselheiro das famílias e um grande pregador; sabia de cor a Bíblia.

De minha mãe, ótima contadora de histórias, guardo uma com carinho sobre Santo Antônio. Como os moradores de Rimini, na Itália, não davam crédito às suas palavras, Antônio foi pregar aos peixes que não tardaram em colocar suas cabeças para fora da água e ouvir, com atenção e fervor, o sermão do santo. Essa imagem tem um poder afetivo em minha vida. Assim como povoam as minhas lembranças outros símbolos desses festejos.

O mastro com as imagens dos três santos juninos: Santo Antônio, São João, dia 24, e São Pedro, dia 29, é um deles. Era uma diversão assistir às tentativas daqueles que subiam o pau de sebo para tentar pegar o prêmio lá no topo, perto das bandeiras dos santos. Os festejos juninos – e diversas festas e rituais católicos – incorporaram celebrações pagãs. É o caso do solstício do verão, quando os povos do hemisfério norte celebravam a fertilidade e pediam a boa colheita. As fogueiras faziam parte da festa, tradição incorporada pela cristianização da Europa. Também no Brasil os índios festejavam, nesse período, o cultivo da terra com muitos cantos, danças, comida e…a fogueira. Para cada santo existe um tipo de fogueira: a de Santo Antônio é quadrada; de São João é redonda e de São Pedro, triangular. Não me perguntem “Por quê?”, eu não sei, é assim, faz parte do folclore!
Claro, as Festas Juninas são diversos retalhos de tradições e culturas diferentes. Quem já dançou uma “quadrilha” ouviu em alto e bom som o “anarriê” (en arrière) quando os casais vão para trás; “alavantú” (en avant tous) quando os casais vão para frente; são algumas das palavras francesas usadas na quadrilha que, por sinal, vem de “quadrille”, dança comum nos salões da corte francesa e trazida ao Brasil colônia pelos portugueses no século XIX. Como não poderia deixar de ser, essa dança ganhou o tempero brasileiríssimo. Basta seguir os noivos e entrar no “túnel” para logo dar meia-volta ao aviso de “olha a chuva”; pular ao grito de “olha a cobra” e pegar o “caminho da roça”. É verdade, nas cidades maiores as festas ficaram confinadas aos salões paroquiais; clubes; ruas e tem mais o apelo da comilança. Aí entra outro tipo de incorporação: se o paganismo foi engolido pelo cristianismo, esse foi enquadrado pelo capitalismo. É a saga do mais forte.
Ah, mas eu estou com muita saudade até mesmo dessa festa junina comercial. Sabem por quê? Porque éramos felizes e não sabíamos. Sair às ruas sem a preocupação de nos esbarrarmos; comer alguns dos pratos típicos: bolo de fubá, de milho; curau; canjica; arroz doce; amendoim; pipoca; quentão; jogar o bingo e ter à vista a fogueira improvisada, de mentira, só para nos remeter e aproximar daquilo que de mais tradicional temos na nossa cultura. Ainda que as ruas das cidades estejam cheias; filas nas lojas e em shoppings centers; o isolamento nos lançou em um turbilhão de medos, de receios. Perdemos a capacidade do conviver, do bom conviver, diga-se de passagem. Ficamos mais assépticos. O lado bom é que passamos a ter mais cuidado conosco e com o outro. O ruim é que ficamos de certa forma mais solitários ou restritos a um pequeno grupo social. Eu me lembro que no ano passado, no dia de São João, fui à festa em uma igreja. Estava faminta por saborear aquele ambiente junino. Uma noite fria que não pôde ser aquecida pela fogueira artificial. Foi o “clic” que me transportou às cidades menores e a quando não tínhamos noção do perigo. Era comum os mais corajosos correr sobre brasas; soltávamos bombinhas; girávamos em círculo, no ar, os fósforos de cor; comíamos espigas de milho no palito assado na fogueira; ríamos daqueles que escorregavam pau de sebo abaixo; nos embalávamos pelas cantorias; levávamos puxões de orelha por não prestar atenção às rezas intermináveis mas, sempre, fazíamos a nossa reverência aos santos: Antônio, além de casamenteiro (não casei até hoje) também é conhecido por alimentar os pobres; São João (primo em segundo grau de Jesus), na bandeira do mastro sempre representado como um menino que traz ao colo o cordeiro de Deus; São Pedro, velhinho, segurando as chaves do “reino dos céus”.
Quem diria que em tão pouco tempo estaríamos, sim, à beira de uma fogueira, mas não de festa junina?
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