Matilde (chega na sala de espera do analista que está vazia)
– Ah! Vocês estão aqui! Meu Deus, eu sei que estou …totalmente só, “alone”, (Traduz didaticamente) A-LO-NE, significa, só em inglês, entenderam? Ai estou me sentindo tão observada. (Sussurra) Quando estou na minha cama, sobre aqueles lençóis gelados de cetim, parece que estou deitada com minhas…
(Sem jeito) nádegas bem em cima de um grande pote de sorvete de creme. E no banho então, alguém pode estar olhando através de um furo na parede, é PSICOSE, é como se olhassem as minhas partes. Minhas intimidades. Nessa sala de espera então! Sinto a mesmíssima coisa. (Altamente paranoica, olhando para todos os lados) Câmeras escondidas atrás de falsos espelhos. Devem estar gravando tudo. Nos chantageiam depois, até nos deixarem na mais absoluta miséria, nos torturam com agulhas, forte choques na genitália!Aí!
(olha embaixo das cadeiras, despeja as revistas, chacoalhando as para ver se sai algo) Estão por toda parte, psicopatas, tarados, camuflados por disfarces inocentes, verdadeiros lobos em pele de cordeiro. (Pausa) Nossa! Hoje ele está mais atrasado do que nunca, dessa vez o atraso já beira quatro segundos, só porque têm um canudo acham que podem ser irresponsáveis. Detesto essas salas de espera, oftalmologistas, ginecologistas, dermatologistas, médicos, carrascos nazistas, nos furando, como cobaias. Parece que quando falam…
(imitando o doutor) – O PRÓXIMO! Nada mais é do que a próxima vítima, o corredor da morte, a câmara de gás, a forca, a cadeira elétrica, a guilhotina, terrível. Morro de medo que me mandem ficar nua, ter que me despir todinha. (sutilmente excitada) Nuazinha em pelo! Aqui não lógico! Aqui fico tranquila, porque ele é meu analista, era só essa que me faltava, né? Ficar pelada para o analista!
(excitada) Aqui, tenho que me despir de meus mais obscuros desejos, minhas mais recônditas fantasias. (acariciando o corpo, desvia o olhar e vê uma revista com uma mulher famosa na capa, segura a revista com ódio) Eu queria tanto ser como elas, estão sempre bonitas, sexy’s, bem vestidas, felizes, realizadas, donas de si, não é horrível isso…
(irada) Odeio todas elas, nada acontece de mal e quando acontece, ainda se dão bem, viram manchete, capa de revista, dão a volta por cima e fecham um contrato milionário de propaganda tirando sarro do que aconteceu. E eu aqui gastando o que não posso e o que não tenho com o analista, só não desisti da análise, porque o doutor me garantiu…
(imita a voz do doutor) Que meu caso era simples e rápido! Mas hoje eu vou falar pra ele. (grita) CHEGA! Vamos parar com essa palhaçada! Meu dinheiro não é capim, o que me sobrou foram os mesmos problemas de quando cheguei aqui. É doutor, o senhor não me curou! (apontando com o indicador pra plateia) Tá certo que faz pouco tempo que comecei…
(conta até três nos dedos) trinta anos, será que estou sendo ansiosa demais? Todo mundo tem seus defeitos, porque logo eu uma pessoa tão humana, não seria claustrofóbica, hidrofóbica, não entro nem em banheira, nem elevador, escada rolante, lugares altos nem pensar, já fico tonta só de falar. Me disseram que sou paranoica, que imagino coisas, imagine, que sou maníaco-depressiva, vê se pode! Justo eu, me da vontade de me matar só pra provar o contrário, e ainda dizem que sou pessimista, negativa, mas nem ligo porque sei que de hoje eu não passo!
(impaciente pega uma revista diferente das demais, tem um homem nu na capa, folheia a revista e boquiaberta encontra muitos outros homens como vieram ao mundo).
TELE-BOYS! Linha direta com os rapazes mais quentes. Eu não sabia que existia isso! Mas eu vou ligar (respira fundo, tira um celular da bolsa tecla alguns números) Ai! Atendeu (tapando o telefone) é a voz do inferno! (respira fundo) Alô, alô… Quero falar sério com o senhor. Qual seu nome, senhor?… Erik!
(abalada, tira os óculos) Mas que nome interessante. Está bem, o chamarei de você. Como você está Erik? NÚ! Bem, vamos mudar de assunto, como você é meu filho? Sarado, bronzeado, olhos verdes, vinte dois centímetros! Como assim? Não entendi? O meu nome é Matilde, sim Matilde. (frágil, fazendo biquinho com os lábios) MA-TIL-DE! (irada) Do que você me chamou, seu ordinário? Então repete, repete se você tem coragem! Repetiu. Escuta aqui, se você estivesse na minha frente eu…
(se despe) O quê? Você ia fazer o que comigo…? Seu Erik, isso não é de Deus. Como é que é? Não! Fala! Começou, termina! Você… Vai. Olha, a sua sorte é que eu nem sei o que é isso. Não, para, para, não para, não não para. Ah! Vá! Fala mais alto! Fala aquele negócio que você falou no começo. Fala, Matilde sua vagabunda, diz de novo! Ai, não , aaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!
Voz do Doutor – O Próximo!
Matilde – (desiste do médico e opta pela revista, sai feliz e de bem com a vida).
Foto: Cena do espetáculo “Enfim, o Fim” – Com Rita OLiveira – Texto de César Póvero
para assistir o curta metragem, acesse este link
https://vimeo.com/search?q=os+medos+de+matilde
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