Aos 71 anos de idade, o diretor Martin Scorsese prova, com “O Lobo de Wall Street” (2013), estar no auge de sua carreira. Mostrando uma vitalidade que parecia haver se perdido em alguns dos seus filmes anteriores, Scorsese consegue revitalizar-se e entrega um dos filmes mais insanos e excessivamente engraçados da temporada de premiações americanas, que culminou com cinco indicações d’O Lobo ao Oscar 2014.
Martin continua com sua predileção por personagens solitários, quase psicopatas sociais, que conseguem se reinventar ou mergulham em um espiral de decadência do qual não mais conseguem voltar. Jordan Belfort (um Leonardo DiCaprio à beira da perfeição), o personagem central de “O Lobo de Wall Street”, é o anti-herói “scorsesiano” por excelência: sua ambição só é comparável com o tamanho de seu apetite por sexo, drogas e diversão, que vão desde elevados patamares de afronta a códigos morais até discursos motivacionais verborrágicos.
Martin gosta de retratar esses personagens tanto em ambientes hostis, onde eles não passam de meros coadjuvantes dentro de uma existência desumana e/ou violenta (“Sexy e Marginal”, “Caminhos Violentos”, “Taxi Driver”, “Touro Indomável”, “Os Infiltrados”), quanto em ambientes de extrema riqueza, envoltos em uma sucessão de abuso de poder, gastos desenfreados e violência doméstica (“A Época da Inocência”, “Os Bons Companheiros”, “Cassino”, “O Aviador”).
Em “O Lobo”, o jovem empreendedor Jordan (DiCaprio) adentra o mundo das vendas de ações de Wall Street, nos anos 80/90, com um sábio conselho: “não importa o quanto eles ganham, o que importa é quanto nós ganhamos”, dito pelo personagem do ator Matthew McConaughey, em uma pequena participação. A partir daí vemos Jordan em sua escalada de lucros milionários e gastos desenfreados vendendo pequenas ações que, na maioria das vezes, acabam por lesar seus clientes. Com um time de séquitos afoitos pelo estilo de vida que constrói pra si e demonstra através de festas intermináveis, regadas a sexo e drogas, Jordan cria uma alcateia de lobos ávidos por dinheiro fácil, não se importando como ou de onde este dinheiro venha.
Com um humor ácido e corrosivo, em um filme que poderia virar um grande dramalhão na mão de um diretor menos experiente, que optaria por edificantes lições de moral, é transformado aqui, nas mãos hábeis de Martin e na montagem certeira de sua parceira constante Thelma Schoonmaker, em uma obra de ritmo impecável (apesar de suas três horas de duração). Criando uma infinidade de cenas antológicas (a quase overdose com sedativo é hilária), Martin deixa seu elenco solto para brilhar, especialmente o ator Leonardo DiCaprio, aqui na sua melhor parceria com o diretor (as anteriores foram “Gangues de Nova York”, “O Aviador”, “Os Infiltrados” e “Ilha do Medo”) e em um dos melhores papéis de sua carreira, até então. Como uma espécie de “O Grande Gatsby “de Wall Street, Leonardo consegue desenvolver a dose certa de repulsa e simpatia que temos pelo personagem e que ancora toda a narrativa do filme. Scorsese foi acusado de edulcorar um modo de vida amoral, como se estivesse glamourizando as trapaças de Jordan e o colocando como um herói nessa jornada aos bastidores do poder. Tudo isso é uma grande bobagem, o que Martin faz é entregar um filme espetacular, repleto de boas sacadas visuais, com um roteiro certeiro e um ator que se entrega de corpo e alma a proposta sugerida.
Há tempo não víamos um filme adulto, forte, sem concessões fáceis que sai de dentro do sistema dos grandes estúdios, bancado por um cineasta que ajudou a moldar um “novo” cinema americano nos idos dos anos 70, juntamente com outros diretores, com filmes de baixo orçamento, criativos e que se transformaram em grandes sucessos de bilheteria. Enquanto alguns desses “companheiros” de Martin se aposentaram (como George de Lucas que vendeu a Lucasfilm para a Disney), outros insistem em projetos acadêmicos e “caretas” como Steven Spielberg (“Lincoln”, “Cavalo de Guerra”), ou como Francis Ford Coppola, que preferiu cuidar de sua vinícola na Califórnia e fazer pequenos filmes de baixo orçamento que nada lembra seus grandiosos retratos da máfia italiana, Scorsese continua aquele jovem que não tem medo de errar ou ousar em suas novas empreitadas. Com isso consegue, após alguns filmes que mostravam sinal de cansaço, voltar ao panteão dos diretores que melhoram com o tempo, entregando um dos melhores filmes do ano. Se não for o melhor com certeza será o mais insanamente sarcástico de todos eles.
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