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“O Grande Hotel Budapeste”: o cinema autoral de Wes Anderson

por Marcos Craveiro
Publicado em 30 de julho de 2014

O cineasta norte-americano Wes Anderson é um caso bem atípico dentro do cinema produzido em seu país, quiçá do cinema contemporâneo mundial atual. Com uma filmografia de poucos títulos (“Pura Adrenalina”, “Três é demais”, “Os excêntricos Tenenbaums”, “A vida marinha com Steve Zizou”, “Viagem a Darjeeling”, “O fantástico Sr. Raposo” e “Moonrise Kingdom”) e sem nenhum grande êxito de bilheteria, Anderson é dono de um cinema extremamente autoral e de um estilo muito bem definido e reconhecido dentre a produção contemporânea. Anderson cria histórias (o roteiro de todos os seus filmes são de sua autoria) levemente lúdicas, com um grande senso de nostalgia, com enquadramentos nos quais a simetria é uma das mais fortes características de sua mise en scene.

Sua obsessão por imagens simétricas ganhou até um vídeo “homenagem” na internet que exemplifica essa paixão que Anderson tem por direcionar elementos cênicos no centro do quadro fílmico, deixando que suas laterais formem equivalências, de uma beleza arrebatadora (veja no link).

Alguns outros elementos também são frequentes nessa construção de imagens em um mundo quase de sonhos ao qual Anderson nos propõe entrar: as cores são controladas, com várias tonalidades, em uma direção de arte que beira o pictórico (existe um tumblr que analisa as paletas de cores utilizadas por Anderson em várias cenas dos seus filmes) e longas cenas nas quais a câmera desliza em travelling com diversos elementos que entram e saem de cena em perfeita harmonia e sincronia.

Portanto, não seria diferente que em seu novo filme, “O Grande Hotel Budapeste” (2014), Anderson continue fiel ao estilo que lhe é tão peculiar. Sem parecer repetitivo ou até mesmo cansativo nessa manutenção de características de apelo visuais tão marcantes em sua filmografia, Anderson parece imbuído de um frescor maior a cada nova realização e o público percebe e o acompanha em sua jornada. “Grande Hotel” já se configura como a maior bilheteria de um filme dirigido pelo cineasta, o que prova essa aceitação, cada vez maior, de suas obras sem que, com isso, precise fazer concessões fáceis ou mercadológicas em suas produções.

A nostalgia e a paternidade são dois elementos temáticos muito presentes em suas obras. Mesmo que a narrativa esteja sendo passada em uma época específica, esse sentido de nostalgia acomete todos os frames do filme. Anderson tem uma visão idealizada, quase melancolia, das relações humanas, como se o universo criado para a existência de seus personagens fosse quase atemporal, impregnado de uma construção extremamente afetiva. Esse afeto ou a falta dele reflete nas famílias quase disfuncionais e na ênfase em uma “presença” paterna, ora ausente, ora substituída por uma outra figura masculina.

Em “O Grande Hotel”, o personagem Gustave H (interpretado por um extraordinário Ralph Fiennes) é quem se coloca nessa figura paterna para ensinar ao refugiado Zero (a revelação Tony Revolori, em sua estreia no cinema), que trabalha como “lobby boy”, os percalços da profissão e da vida como um todo.

Com um enredo que mistura o funcionamento de um hotel de luxo, o sumiço de um quadro valioso, ameaça nazista e fuga de uma prisão, Anderson tece um filme envolvente, utilizando como referência maior as comédias do mestre Ernst Lubitsch, diretor alemão radicado nos Estados Unidos, de quem parece ser um grande discípulo, sem que, com isso, perca as características que lhe concede um lugar único no panorama cinematográfico atual. Ao mesmo tempo em que nos leva a lugares tão atemporais, fruto da criação de um universo bem peculiar, Anderson reitera nossa deleite por uma narrativa fluente e um profundo afeto por suas personagens, cheias de excentricidades, mas que no fundo são passíveis de erros e acertos, assim como todos nós.

Veja o trailer:

 

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