Nasci em 1966, no olho do vendaval político que nos trouxe à luz a democracia. Lamento comer mingau enquanto os personagens que se perpetuariam em minha saliva se concentravam em discussões culturais e políticas muito mais saborosas.
Estava ali, na inocência indigesta de uma testemunha paupérrima, entregue às escolas que me ensinaram, quando com um mestre mais disposto, que o país é uma república e que herdaria uma dívida com a coroa portuguesa, mascarando-me a realidade e me induzindo ao sabor, até então inalcançável, dos bons azeites de Vila Real, fatos desmistificados depois de muito tempo pela arte satírica de Carla Camurati e pelas linhas bem explicadas de Galeano, Laurentino e de Lilia Schwarcz.
Para besouros e borboletas, o tempo do limitado acabou. Hoje tudo é acesso, censure ou não nossa história luso-getúlica. Os sujeitos implícitos nesta sentença, explico, são os personagens que circulam minha mente, ávida por recuperar o que não pôde ser nos anos sessenta, e responsável por tornar menos insípidos os neurônios já nem tanto inocentes de minha prole, filha da democracia dos anos oitenta.
Aprendi com um guru que devemos ter o olhar da borboleta, mais do que o olhar do besouro, que em sua frente percebe apenas o que é resto, o sustento para o seu papel biológico, até desvanecer em favor da maravilha social e colorida das borboletas. E com a sagacidade aprendida nos pés de goiaba, inconstante nos currículos das escolas municipais em que estudei, leio tudo também da direta para a esquerda. Não há como ser borboleta sem ser besouro, tudo é transformação! Napoleão ou Junot são o mesmo inimigo, tudo depende da covardia do inimigo. Todo ponto final pode ser uma vírgula.
O que hoje é doença mental para quem diverte seus filhos com um saboroso Big Mac, deveria ser antídoto da visão simplista de que tudo é colorido, como enxergam as borboletas e os que abrem uma conta no Facebook. Lamento que meus antigos professores tenham sido tão irresponsáveis em suas lucidezes, mas há Hawking suficiente para não permitir que o simples fenômeno fisico-biológico seja a regra, mesmo que frente a tamanhas dificuldades. A vida só termina quando o cérebro morre, não quando o coração para de bater. O Big-bang depende de uma explosão.
Há beleza também no olhar dos coleópteros senão jamais haveria borboletas; há que se ser caule antes da flor.
Tão imensas são hoje as vias de conhecimento, são também as da ignorância. Ter nas mãos o poder da comunicação para tão somente idolatrar o reflexo da retina colorida e ignorar o pensamento altruísta é o mesmo que ser Jesus antes do sacrifício. De nada serve.
Como diria Jean Yves Leloup, não há paraíso antes de ser deserto, não há plenitude antes de ser pensamento, não há vida antes de te-la vivido.
Não há colorido antes do preto e branco.
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