Liquidificultura

“O Beijo do Carrasco” (Amor à Vida)

por César Póvero
Publicado em 4 de fevereiro de 2014

Walcyr Carrasco provavelmente não conseguiu entrar para a história da teledramaturgia, como uma das melhores novelas do disputado horário nobre, mas conseguiu outras proezas. O publico tem memória curta, já houve outros vilões gays, talvez não tão assumidos quanto Félix, mas nenhum deles, teve tanto sucesso. Um vilão mais humano que sofre pelo desprezo e preconceito do pai, além da infelicidade sexual. Vale lembrar, não existe opção sexual como se fosse como num vestibular, existe orientação, aquela para a qual seu corpo se manifesta.

O Walcyr que passou pela literatura, escreveu novela na extinta TV Manchete e na Rede Globo passou por todos os horários, na maioria das obras com sucesso, principalmente no horário das 18 horas. Provavelmente permaneça no invejado clã do horário nobre devido a repercussão de seu folhetim.

“O que sobe e o que desce!”

Desce – No inicio da trama, falei aqui que a novela se mostrava ainda como “Amor à Grana”, depois, amor ao sexo, amor à vingança, o amor à vida se comprovou mais no desfecho, bem marcado. Um dos amores á vida seria o da personagem que perderia as madeixas ruivas, mas a atriz se recusou, seu personagem não pode lutar pela vida e pelo amor, se abortando assim o assunto. Desce também a atriz colocar a vaidade acima de um bom papel, talvez não tenha outra chance, muito menos com o mesmo autor.

Sobe – Outro ponto a favor foi conseguir amarrar e resolver todos os assuntos pendentes, coisa que Gloria Perez não conseguiu em sua antecessora. Terminar a novela com o casal principal se beijando já era, é mais do que previsível, ninguém mais faz isso. O último capítulo mostrou um desfecho original que talvez ninguém imaginasse que fosse necessário, mas foi.

Sobe – Susana Vieira conseguiu sair da personagem cristalizada na qual ficou presa, a perua loura vaidosa como as anteriores, em “Cinquentinha”e “Duas Caras”, ambas de Aguinaldo Silva, desta vez se mostrou uma mãe mais humana, não a personagem “muito ela mesma”, ainda tem muito o que melhorar, sair da vaidade e pensar no talento.

Desce – Achei grande falha deixar Pilar com o motorista jovem, uma senhora de certa idade e bem fora de forma, poderiam ter colocado um novo médico mais compatível com sua idade e com o realismo.

Sobe – Vanessa Giácomo que parecia eternizada na “Cabocla”, se sobressaiu como Malvina em “Gabriela” de Walcyr e se consagrou como a odiada e sexy Aline, em desfecho surpreendente, numa sequência desprovida de vaidade, numa bela e rápida cena de rebelião.

Sobe – Antonio Fagundes também surpreendeu saindo do coroa canastrão, um grande mal que assola atores de todo o mundo em sua idade, principalmente os hollywoodianos. Em “Gabriela” ele já havia saído da mesmice.

Desce e sobe – Apesar de um último capítulo longo, bem longo, o autor conseguiu fazer o desfecho repleto de emoção, como não se vê mais, parece que os autores tem preguiça e querem se livrar logo da batata quente, com exceção de João Emanuel Carneiro.

Sobe – Fabiana Carla também se destacou mostrando a saga da gordinha rejeitada.

Desce – O bullying que sofria Perséfone, de certa forma era irritante e um tanto inverossímil pelos colegas de trabalho, mas também foi bem resolvido e promovendo situações cômicas em busca da perda da virgindade. Achei um tanto preconceituosa a abordagem, afinal as gordinhas são muito comunicativas e geralmente bem resolvidas na maioria, enfim…

Sobe – Bruna Linzmeyer se destacou, também integrava o elenco da “Gabriela” de Walcyr, e se mostrou uma ótima atriz e o autor também ganhou pontos abordando o autismo. Afinal já foi abordado o alcoolismo em três novelas seguidas em certa época, é preciso saber dosar os temas.

Sobe também, Elisabeth Savala pelo todo da trama e seu desempenho, aliás ela sempre está nas obras do autor, e seu desfecho “chacriniano”, ela e Tatá Werneck fizeram excelente dupla.

Desce – Houve muitos exageros com a personagem Valdirene, comicidade tem limite, mas isso é típico doa autores em núcleos de comédia.

Sobe – Outro ponto que sobe é o desfecho de Barbara Paz, correndo pelas ruas de São Paulo, noiva moderna com seu “tapete persa” num clima de vídeo-clip.

Sobe – O ecletismo do autor foi benéfico abordando diversos temas e apresentando um desfecho com vários tipos de família, a moderna, a evangélica, a de um casal gay onde se cuida dos filhos e do pai, personagens mais humanos.

Desce – Walcyr não foi feliz na escolha do casal protagonista e nem do antagonista, Paola Oliveira, Malvino Salvador amadureceram como atores, mas ainda não tem a bagagem pra carregar uma novela, Juliano Cazarré fez bons trabalhos no cinema, inclusive em 360 de Fernando Meirelles, mas nesta trama ficou inexpressivo demais como personagem e em atitudes.

Sobe – O ano foi de Mateus Solano, depois de ter feito um personagem infeliz em “Morde e Assopra” de Walcyr, foi presenteado com o personagem mais comentado do ano. Que passou de antagonista a principal, ganhando as cenas e a cena final. Já havia mostrado seu talento anteriormente. Com a vilã Aline, e a ausência de protagonistas marcantes, Félix se tornou o carro chefe da trama e acabou se redimindo, assim como Carminha de João Emanuel Carneiro. Entraram para sempre na galeria dos vilões inesquecíveis e adoráveis.

Walcyr deve ter sofrido muito carregando essa responsabilidade toda, não deve ser nada fácil, porém conseguiu além de tudo o que citei acima, criar o personagem gay mais marcante, o mais querido e o casal gay que despertou a torcida do publico hétero, excluindo os homofóbicos, é claro. Walcyr Carrasco encerra a trama já com sua lista daqueles que não vão mais fazer suas novelas, sua fama de vingativo é vasta. Principalmente aqueles que pediram pra sair do seu folhetim. Por outro lado, Carrasco sela o final da trama conseguindo entre tantas proezas o que nenhum outro autor, prometendo ou não conseguiu, o primeiro beijo gay da teledramaturgia brasileira, como definiu o autor, um beijo com amor, um beijo de um casal que tem família, um outro tipo de família, com naturalidade do dia a dia. Acredito que explicar a homoafetividade seja mais importante que exibir o beijo, mas é um paradigma quebrado que pode ajudar. Houve quem achou o beijo xoxo, não foi um selinho e nem um beijo de língua, um beijo normal que se da indo trabalhar, lógico, em novela, na vida rela não é bem assim pra casal de nenhuma espécie.  Bem, para isso existe o controle remoto, diversos canais e diversos botões. Até fora do Brasil a homoafetividaede em sua plenitude aparece na TV paga e não na TV aberta.

O ponto mais delicado foi o presente da última cena, a poesia, a delicadeza, de uma cena de pai e filho ao som da música de Mahler, ainda bem que esta de Mahler, tema de “Morte em Veneza” de Luchino Visconti se estendeu pra o encerramento, calando assim o mau gosto do tema de abertura na voz do tal Daniel . Vale lembrar que o autor teve que prolongar a trama para iniciar a sucessora, isso é péssimo, ter que tirar leite de pedra.

Parabéns ao Carrasco!

Leia o texto do inicio da novela “A Hora do Carrasco”

http://www.campinas.com.br/blog/liquidificultura/a-hora-do-carrasco-amor-a-vida

 Na foto acima: o ator Mateus Solano(Félix) com o ator Thiago Fragoso (Niko).

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