Cronicando

O ar que falta

por Maria Angelica
Publicado em 21 de janeiro de 2021

 

Eu tenho um medo angustiante: morrer afogada, morrer por falta de ar. Ficar em lugar fechado, lotado, sem janelas, sem entrar um vento, para mim é uma tortura.

Impensável nos colocarmos no lugar das pessoas que estão morrendo sem oxigênio, consequência da Covid-19. Pior, consequência, – premeditada e criminosa -, da omissão das autoridades assentadas em seus tronos palacianos. Enquanto nossos semelhantes – poderia ser você, eu, nós -, se afogam na ausência pura do ar, os politiqueiros, me recuso a chamá-los de políticos, jogam o jogo sujo do descaso, da inoperância, do “tô nem aí”. Os relés mortais, não importa de que lado estejam, subsistem em meio ao fogo cruzado dos interesses escusos, em meio à falta de ar que mata. É uma tristeza ver mulheres, homens na fila para encher os cilindros com oxigênio e dar sobrevida aos seus familiares. Saber que filhos, netos, netas se revezaram para bombear o ar para a avó que agonizava na cama, é algo devastador porque essa imagem para mim representa um povo abandonado ao azar de termos no comando homens sem escrúpulos, sem dor, marchando atrás de um opressor com sua cabeça de papel.

É vergonhoso o silêncio da “esquerda” brasileira. A impressão que eu tenho é de que suas lideranças são espectadores aguardando apenas o momento certo, para eles e elas, darem o bote eleitoreiro, preciso, aquele que mira única e exclusivamente o alvo dos votos da próxima eleição.

Enfatizo: é vergonhosa a omissão dessa “esquerda” covarde assistindo a um país à deriva. É tão grave quanto a dos negacionistas de plantão no poder.

Nesta sinistra toada caminham os de direita, de esquerda, do centrão, dos sem partido; vomitam suas ideologias baratas, não enxergam um palmo adiante de si. Não veem a agonia; estão surdos aos sussurros de socorro dos invisíveis sufocados pelos podres poderes. Aliás, quem quiser ouça e preste atenção à letra da música “Podres Poderes”, composta e cantada por Caetano Veloso. É atualíssima. Destaco aqui um trecho:

“Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais…”

Matar também de falta de ar tornou-se um gesto natural. Morre-se assim em diversos cantos do Brasil. Mas, nada se compara a Manaus, o cartão postal da pandemia que sangra. E quer saber: bater panela, disparar mensagens em redes sociais são atitudes inofensivas, como se estivéssemos em volta de uma mesa de bar destilando nossa compaixão de botequim porque não faz a mínima diferença, não incomoda nem um pouco os assentados nos três poderes. A vida deles está ganha, repleta de benefícios inimagináveis para a maioria da sociedade. Danem-se os outros!

Proponho um exercício. Segure a sua respiração por 30 segundos. Vamos lá!

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez… Neste exato momento eu tive que tirar a mão do meu nariz e boca, não consegui ir além sem respirar. Penso então naqueles que chegam desesperados nos hospitais carregando um familiar que está morrendo por falta de ar. Impossível imaginar o sofrimento de ambos.

Não é uma triste coincidência que o pior cenário de falta de oxigênio, de ar, vem do estado do Amazonas, o mesmo que abriga parte da Floresta Amazônica? O Amazonas é o segundo estado, atrás do Pará, que mais derruba as árvores da floresta. Não por acaso, sob este desgoverno e sob o silêncio infame dos “inocentes”, como comprovou um levantamento do Instituto Imazon, em 2020, o desmatamento na Amazônia foi o maior dos últimos dez anos. E quer saber? Piorou de forma acelerada durante a pandemia do Novo Coronavírus. Desmatamento, queimadas. É terra arrasada. É impossível respirar.

É, a boiada passou, está passando, pisoteou e pisoteia sem dó nem piedade os brasileiros. Não nos esqueçamos jamais: os poderosos dos podres poderes, e suas instâncias, só se ajoelham para nos tirar o ar.

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