Após uma incessante campanha de marketing, finalmente chegou aos cinemas o tão aguardado filme do diretor dinamarquês Lars Von Trier, “Ninfomaníaca” (2013). Junto com essa boa noticia, somos surpreendidos por algo que acaba nos decepcionando: veremos agora em janeiro o volume 1 do filme e só em março veremos sua segunda parte. A princípio isso já nos causa um certo desconforto para analisar essa primeira parte proposta por Von Trier: como podemos julgar um filme por completo, apenas vendo-o pela metade? Alguns podem dizer que existem várias trilogias ou filmes divididos em duas partes que não impossibilitam essa análise. Mas, no caso de Von Trier, um cineasta esperto e cheio de sutilezas com seus espectadores no jogo da “encenação” audiovisual, tal tarefa torna-se um pouco mais árdua. Portanto, tudo que for dito a respeito dessa primeira parte, poderá ser revisto ou repensado com o término da trajetória da ninfomaníaca Joe (interpretada pela excelente Charlotte Gainsbourgh) no segundo volume dessa empreitada de Von Trier.
Da maneira que está, “Ninfomaníaca – Volume 1” deixa algumas dúvidas e propõe uma primeira leitura que depende integralmente de sua continuação para que seja possível chegar a uma conclusão mais satisfatória. Percebe-se, a princípio, que Von Trier continua trabalhando com alguns temas que lhe são caros: a culpa relacionada ao sexo, a incapacidade de uma entrega total ao objeto de desejo, a religião (seja ela qual for) permeada por um sentido agudo de exasperação.
Joe é encontrada na rua por um homem, Seligman (Stellan Skarsgard), que a leva para casa, cuida de seus ferimentos, enquanto a ouve narrar suas aventuras sexuais, em busca da satisfação de um desejo que parece insaciável. Vemos sua relação distante e conturbada com a mãe, uma maior proximidade com o pai, a perda de sua virgindade, as brincadeiras eróticas com uma amiga em um trem e a busca por diversos parceiros que, de uma maneira ou de outra, possam contribuir para que Joe sinta-se menos culpada em relação a sua necessidade sexual, ao mesmo tempo em que possam lhe proporcionar algum tipo de prazer, o qual ela não consegue ver saciado.
Von Trier peca por um certo didatismo nos diálogos entre Joe e Seligman, o homem que a acolhe, misto de padre, pastor e psicólogo. Alguns diálogos e algumas analogias propostas pelo diretor (Fibonacci, Bach, peixes, etc), através das elucubrações proferidas por Seligman (ou seriam do próprio Von Trier?), são levemente desnecessários e/ou intelectualizados demais, nos tirando o foco do que realmente importa na história: a crise existencial de uma mulher insaciável sexualmente a beira do desespero, relatando sua história recheada de culpa e autocomiseração. Em contrapartida, quando vemos a Joe mais jovem em sua peregrinação pelas descobertas sexuais, percebemos uma leveza na câmera de Von Trier e na condução de sua história, apesar de sentirmos falta de uma protagonista com o nível de atuação de Charlotte Gainsbourgh que, pelas cenas vistas no final do volume 1, toma as rédeas da situação e do protagonismo na segunda parte do longa.
No final das contas “Ninfomaníaca – Volume 1” ainda é um esboço, uma pequena introdução a um universo que, assim me parece, será explorado com maior contundência (ou não) em sua segunda parte. Resta-nos aguardar até março para que possamos ver o filme completo e daí sim tirar as conclusões finais, ou talvez, ficarmos ainda mais confusos diante de mais uma obra engendrada pela mente pérfida de um diretor que adora testar os limites de sua audiência.
Lars Von Trier, a cada novo filme, demonstra ser tanto um exímio condutor na direção do seu elenco, principalmente as protagonistas que sofrem as agruras de serem dirigidas por ele, quanto um habilidoso marqueteiro que promove-se à custa de declarações polêmicas e um marketing pessoal certeiro.
Veja o trailer abaixo e programação do filme em Campinas:
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