Consoantes Reticentes…

Marley s&m Eu

por Marcelo Sguassábia
Publicado em 3 de agosto de 2012

Domingo passado, confirmei minha falta de sensibilidade quando o assunto é a relação entre o homem e o que chamam por aí de seu melhor amigo: o cachorro. Zapeando pela programação dominical da TV aberta (aliás, um lixo), um cão grande, de pelos brilhantes e muito estabanado chamado Marley fazia peripécias na tela da Globo enquanto, ao lado, meu amigo se debulhava em lágrimas ao associar a amizade de Marley e Owen Wilson, o protagonista do filme, à relação que possui com seu próprio animal de estimação.

Vendo aquela demonstração de amor gratuito, sem a necessidade de retorno ou troca de expectativas entre o protagonista com Marley e meu amigo com seu labrador, me senti incompleto. Não que eu quisesse gostar de um cachorro me lambendo o rosto ou dormindo na mesma cama (continuo achando essa aproximação exagerada e nojenta), mas gostaria de poder sentir o que milhões de pessoas sentem ao chegar em casa e ver o animal correndo em sua direção cheio de vitalidade e disposição (me desculpem os amantes dos cães, mas não acredito que isso seja alegria, como muitos interpretam, mas sim apenas um condicionamento adestrado).

Que eu sou um manteiga derretida, não tenho dúvidas. Porém, durante o filme, consegui me emocionar mais com a cena em que a jornalista vivida por Jeniffer Aniston perde o bebê do que com a sequência que mostra os últimos momentos da vida de Marley, considerada por TODOS que gostam da história como o ápice da emoção. Mesmo assim, pessoas como eu, sensíveis à desgraça humana, mas estranhas ao amor canino, são vistas pelos protetores dos animais como desumanas. É no mínimo irônico!

Não desejo o mal para nenhum animal, assim como também não desejo o bem. E desejar o bem, no contexto deste texto, quer dizer hiperbolizar a função deles, igualá-los à condição humana, e aí o buraco é ainda mais embaixo: o problema tangencia para a vertente social, já que os animais são vistos como humanos, muitas vezes pelos mesmos olhos de quem vê uma grande parte das pessoas como animais.

No caso de Marley & Eu, produção americana de 2008 baseada em uma história real, a relação entre John e seu fiel amigo peludo dita, além das escolhas da vida do protagonista, o caminho que sua profissão toma ao longo dos anos. Mesmo achando o jornalismo e a adoração pelos cães duas realidades inversamente proporcionais, invejo o apego de um dono, o carinho com que ele cuida do animal como se aquela criatura tivesse o seu próprio sangue.

Em vez de criticar os adoradores de cães ou tentar entender a forma irritante com que amam seus bichinhos, eu deveria era parar de tratar como humanos os humanos que mais parecem animais e que não merecem nem a consideração de um cachorro. Eu sei disso. Só assim teria a capacidade de começar a entender como funciona a cabeça de alguém que consegue se comover com as cenas mais banais de Marley & Eu.

P.S. Convenhamos: este filme pode até ser o mais emocionante de todos os tempos quando se trata do amor entrespécies, mas, cinematograficamente falando, é bem meia boca. Ainda não viu? Que tal dar uma espiadinha no trailer?

Compartilhe

Newsletter:

© 2010-2025 Todos os direitos reservados - por Ideia74