Pensar Psicanalítico

Mais um dia normal das “Marias”… – Ou: Crônica de uma morte anunciada

por Vagner Couto
Publicado em 8 de março de 2024

Hoje eu vou, principalmente, falar da “Maria”, pessoa próxima a mim, que mora no interior do Brasil – e que viveu uma situação típica de machismo no seu casamento. Eu a escolhi como tema desta crônica pra falar alguma coisa no contexto do Dia Internacional da Mulher.

 

“Maria” está em litígio com o marido, – que, há algum tempo, está fora de casa, de castigo, em suspenso… porque “Maria” não aguentava mais o seu comportamento machista. E essa é uma história comum das “Marias” que, exatamente num dia como o de hoje, continua acontecendo.

 

O machismo, cerne das dificuldades no seu casamento e cerne da problemática da história de muitas mulheres, é um conceito que expressa um senso de orgulho masculino exagerado, focado numa ideação de virilidade e autossuficiência, que crê na inferioridade da mulher, e tem a ideia de que o homem, em uma relação e em tudo na vida, é o líder superior da mulher, se nutrindo da subordinação e/ou submissão feminina, intelectualmente e sexualmente, por decorrência de uma construção de gênero de masculinidade exacerbada. Para isso, o macho necessita provar sua força, fazendo uso recorrente da agressividade e da violência.

 

Psicanaliticamente falando, a necessidade de demonstração constante de força camufla uma fraqueza real, abaixo ou acima do umbigo, que é alimentada por uma série de pressões. Estas variam de pressões sociais para “ser homem”, a pressões internas pra superar um complexo de inferioridade qualquer que, muitas vezes, se traduz por indescritíveis medo ou raiva das mulheres – expresso pelo termo misoginia, do qual falarei outro dia.

 

“Maria”

Eu fiquei triste com o conflito do casal. Eu gosto da imagem de “família” que eu via neles… – bonita, feliz, integrada – o modelo ideal. Aquilo me preenchia de uma coisa que, em boa parte da minha vida, não tive.

 

Escrevo uma mensagem pra “Maria”, pedindo que ela me envie um “boletim informativo” com as últimas notícias. A resposta que veio já era parcialmente imaginada: a situação com ele acabou mesmo. Ela quer o divórcio. Diz que ele não apresentou mudanças significativas que trouxessem segurança pra um retorno e, então, o melhor pra ela e os filhos é realmente continuar como estão: separados.

 

Exclamo o meu “ixi!”, e ela diz que não pode colocar os filhos em uma situação desconfortável. Eu digo: “puxa… – isso vai quebrar aquele quadro com imagem de família bonita que eu tinha na minha cabeça…” -, e ela, imediatamente, me envia uma foto dela com os filhos dizendo: “Não quebrou.

 

Um dia ela existiu. Agora foi substituída por nós”. Manifesto meu lamento, e expresso que entendo o que ela diz, mas me sinto triste com aquele andamento… que aquela imagem dela e os filhos é bonita…, mas eu gostava da outra também.

 

“Eu” desejava que o casamento deles não se dissolvesse, que eles pudessem consertar o que precisava – pois acredito em consertos – tanto de sapatos, quanto de panelas de pressão e, também, de casamentos. Sempre fui contra a praticidade ou o comodismo do descarte, de simplesmente se trocar uma coisa ou situação usada por uma nova, sem o trabalho real do conserto, da afinação, do ajuste…

 

Ela devolve que me compreende… que também ficou triste… e diz que – na situação que o casamento estava – ela não conseguia saber mais quem ela era (Eu entendo… – já estive assim por diversos motivos…). E que agora estava se reerguendo, se reconstruindo e se redescobrindo. Que estava precisando ser muito forte, que nunca imaginou que o seria pra tomar tal decisão, mas conseguiu. E que não podia regredir, pois seus filhos precisavam dela.

 

“Maria” é parda, tem 30 e poucos anos, e está(va) casada há mais de 1/3 da sua vida. Segundo ela, não teve namoroooooo… . Se conheceram, ficaram… e foram ficando… – entre uma escapadinha e outra dele, que gostava de “bagunça…”

 

Quanto ao comportamento dele, havia o apego ao dinheiro e a sua falta de responsabilidade em “não entender” que tinha filhos para cuidar, a falta de respeito, a grosseria com ela e o filho, e ele não aceitar um não quando ela dizia estar cansada … Mas o que acabou com tudo mesmo foi mais uma agressão física.

 

“Maria” continua dando aulas na mesma escola em que começou ainda mocinha como monitora. Formou-se em Pedagogia, fez duas pós-graduações, uma em Educação Infantil e outra em Neuropsicopedagogia. Ainda cogita outra pós em Psicologia Infantil. Também fez uma extensão em Supervisão, Inspeção e Orientação. Já coordenou projetos de Assistência Social. Há quase 15 anos tem um programa semanal na rádio da cidade, com músicas e mensagens positivas, pra dar alento pra vida das pessoas.

 

O divórcio está em andamento. “Maria” diz que, no momento, está voltando a saber quem é, a “Maria”, uma mulher mais forte do que imaginava, orgulhosa de si e que ama a vida e os filhos. Quanto aos planos de vida, diz que quer viver um dia de cada vez, cuidar de si e dos filhos, melhorar a casa – que precisa de uma pintura nova, e viver.

 

E aí eu me lembro do Milton Nascimento e trago aqui o seu canto de honra e dignificação dessa

 

“Maria” e das tantas “Marias” desse mundo…

 

“Maria, Maria, é um dom, uma certa magia/ Uma força que nos alerta/ Uma mulher que merece viver e amar/ Como outra qualquer do planeta.

 

Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor/ É a dose mais forte e lenta/ De uma gente que ri quando deve chorar/ E não vive, apenas aguenta.

 

Mas é preciso ter força, é preciso ter raça/ É preciso ter gana sempre/ Quem traz no corpo a marca, Maria, Maria/ Mistura a dor e a alegria.

 

Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça/ É preciso ter sonho sempre/ Quem traz na pele essa marca possui/ A estranha mania de ter fé na vida.”

 

O casamento, então, acabou, morreu. “Maria” não aguentou mais e ficou só – ela e os filhos, pra cuidar da sua vida. E o ex-marido? Bem… – ele está triste, arrependido, sabendo o que perdeu.

 

COMO LIDAR COM TUDO ISSO? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.

Para falar particularmente com o autor, use: 19 99760 0201 [zap] ou vagnercouto1@gmail.com

 

Vagner Couto, psicanalista, com especialização em Psicoterapia Psicanalítica Breve, aperfeiçoamento em Psicoterapia Psicanalítica de Casais e formação em Psicoterapia Energética Corporal, tem mais de 40 anos de vivência em instituição dedicada ao autoconhecimento, à expansão da consciência e à espiritualidade. Poeta e escritor, é autor dos livros “Admirável momento novo” e “A estrela da manhã”. Jardineiro, ama cultivar pessoas e cuidar delas.

 

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