Nunca vi a Concha Acústica tão lotada desde sua reabertura em 28 de abril de 2013.
Como eu já previra, foi um recorde de público para um evento na Concha, superando o encerramento do I Festival de Blues de Campinas, em 27 de abril de 2014 e o concerto da orquestra com Ivan Lins, em 16 de novembro do mesmo ano.
Se estimaram em 3.500 pessoas presentes naquela tarde da reabertura da Concha, podia-se estimar que havia quase o dobro de gente no sábado, 1º de agosto. Como tudo é chute, aqui vai o meu: umas 6.000 pessoas. Porque no site da Prefeitura diz que cabem lá 2.000 sentadas nas arquibancadas. Só que neste sábado vi muitos lugares ocupados por duas pessoas e todos os espaços disponíveis para circulação de pessoas ocupados por gente sentada no chão, inclusive eu. E dos lados e no fundo havia muita, mas muita gente em pé.
Durante a tarde, acompanhando postagens dos músicos da orquestra no Facebook, deu pra ver que o auditório já estava lotado uma hora antes do início, no momento da passagem de som. O secretário de Cultura de Campinas, Ney Carrasco, disse-me depois que chegou às 17h20, já não encontrou lugar e acabou assistindo ao show do palco. Quando eu cheguei, por volta das 18h05, não dava nem pra ver o palco de tanta gente que estava lá em cima e dos lados. Ainda bem que não houve nenhuma briga ou incidente do tipo, porque teria sido complicado evacuar o local rapidamente, já que todas os corredores de circulação estavam entupidos de gente sentada.
Enquanto eu ia me enfiando no meio do povo, caminhando com cuidado por entre as pessoas sentadas no chão, a orquestra começava a apresentação tocando um arranjo da famosa música de Luiz Gonzaga “Qui Nem Jiló”, que tem aquela frase belíssima: “Saudade, o meu remédio é cantar”.
Em seguida, o maestro Victor Hugo Toro falou brevemente sobre o concerto ali na Concha (que se chama oficialmente Auditório Beethoven) em razão do aniversário de 241 anos de Campinas, fundada em 14 de julho 1774 (“quando Beethoven estava com 4 anos”). Também lembrou que a Sinfônica de Campinas, ao longo de sua história, sempre teve uma forte ligação com a MPB e que não vê problemas em tocar de Beethoven a Chico Buarque. “Procuramos tocar sempre música boa, embora às vezes tenhamos que tocar algumas ruins também. Faz parte”. E concluiu dizendo: “Bom, vocês não vieram aqui pra me ver, mas sim para ver o Lenine. Então vamos ao que interessa”.
Lenine entrou sorridente e entusiasmado como sempre e cantou, se não estou enganado, “Que Baque É Esse”. Depois pediu licença ao maestro para falar algumas palavras, agradeceu ao público e disse que, acima de tudo, é um compositor e que suas canções são suas filhas. “Podê-las ver vestidas com roupas diferentes é do… caralho. Perdoem-me a expressão, mas não tem outra pra descrever a sensação”, completou, arrancando risos do maestro, músicos e público.
A partir daí o show prosseguiu com uma batelada de sucessos como “Do It”, “Chão”, “Se Não For Amor, Eu Cegue”, “Tudo Por Acaso”, “Jack Soul Brasileiro” (com o público respondendo as perguntas: “Foste? Compraste? Pagaste? Então quanto é que foi?”), “O Último Pôr-do-Sol”, “Miragem do Porto”, “Leão do Norte”, “Gandaia das Ondas” e “De Onde Vem A Canção”, alguns deles com arranjos do diretor da Sinfônica de Campinas, Rodrigo Morte.
E como fez no show em Paulínia, há dois meses, ao tocar seu maior sucesso, “Paciência”, Lenine deixou a platéia cantar enquanto ele fazia uma espécie de contracanto. Em outro momento, depois de um arranjo que explorava muito a sonoridade dos metais da orquestra (trompas, trompetes, trombones e tuba), comentou: “Este é o verdadeiro heavy metal”.
Depois de cerca de uma hora e dez minutos de show, Lenine agradeceu a presença de todos e disse que estava muito emocionado. O maestro indicou aos músicos que se levantassem e o público aplaudiu muito e pediu mais uma. A orquestra então tocou um “Medley de Frevos”, um arranjo de Tiago Costa, com destaque para o mais famoso deles, “Vassourinhas”, de Matias da Rocha e Joana Batista, e Lenine entrou dançando.
Depois, sozinho ao violão, interpretou “Hoje Eu Quero Sair Só” e o público, em peso, cantou junto, em dos momentos mais bonitos da apresentação. Em seguida, ele agradeceu novamente ao público e aos músicos, falou sobre o prazer de fazer “música coletiva” e da ligação com o Divino que a música possibilita. E encerrou cantando uma última canção com a orquestra, que não consegui identificar.
Ao contrário do concerto com Ivan Lins, dessa vez o som estava excelente e dava pra entender cada palavra que Lenine cantava. A liga entre ele e os músicos da Sinfônica foi muito boa e tanto o cantor quanto músicos e público pareciam muito alegres com a apresentação, apesar do excesso de lotação. Talvez tivesse sido mais adequado fazer um show como esse na Praça Arautos da Paz, onde cabem mais de 50 mil pessoas, embora lá não existam lugares para as pessoas se sentarem. Algumas amigas comentaram depois, nas redes sociais, que poderiam ter colocado telões pra facilitar a visão de quem estava nas laterais ou muito lá no fundo. Porque essas pessoas só ouviram o show e não conseguiram ver quase nada.
Mas a verdade é que a Secretaria de Cultura não imaginava que Lenine atrairia tanta gente assim. Foram surpreendidos pelo excesso de público e, como eu sempre digo, o excesso de sucesso de um evento cultural é sempre algo tenso, difícil de lidar e potencialmente danoso à imagem do evento. Foi assim com o sucesso inesperado da sessão do filme “O Palhaço”, de Selton Mello, no Festival de Paulínia de 2011, que atraiu cerca de 3 mil pessoas para o Theatro Municipal, onde cabem 1.218. E as pessoas queriam entrar de qualquer maneira… Resultado: naquela oportunidade, depois de muita tensão, bate-boca e gritaria, tiveram que fazer uma segunda sessão do filme à meia-noite, que reuniu quase 700 pessoas.
Lenine já fez outros shows com orquestras, sendo que um deles, com a Orquestra Sinfônica Brasileira em Recife, foi até exibido há algum tempo pela TV Cultura. Mas ele também já cantou com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Sinfônica do Mato Grosso, Orquestra Petrobras Sinfônica, Orquestra Sinfônica do Recife e Orchestre National D1’Ile-de-France.
O cantor tem mais de 30 anos de carreira, dez discos lançados, dois projetos especiais e inúmeras participações em álbuns de outros artistas. Já teve suas canções gravadas por nomes como Elba Ramalho, Maria Bethânia, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, O Rappa, Zélia Duncan, entre tantos outros.
Produziu CDs de Maria Rita, Chico César, Pedro Luís, além de trilhas sonoras para novelas, seriados, filmes, espetáculos de teatro e dança, como os do renomado Grupo Corpo.
Lenine ganhou cinco prêmios Grammy Latino, dois da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), nove Prêmios da Música Brasileira. Já se apresentou em dezenas de países em turnês internacionais, além da participação nos maiores festivais de música do mundo, como o de Roskilde (Dinamarca), Womad, de Peter Gabriel (Inglaterra, Espanha e Ilhas Canárias), Festival de Montreal (Canadá) e Eurockéennes (França), entre outros.
De parabéns a Secretaria de Cultura de Cultura, em especial a direção da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, por ter oferecido este show tão especial à cidade no encerramento das comemorações do aniversário de 241 anos de Campinas, o produtor local Radamés Bruno e a Fabiana Ribeiro, coordenadora de Comunicação da Secretaria de Cultura, fã ardorosa do Lenine, que sonhou e lutou durante dois anos e meio para que este show se tornasse uma realidade. As milhares de pessoas que se divertiram com esse show, mesmo sem saber, devem isso a ela.
Fotos: Danilo Leite Fernandes
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