Faça as Malas

“Interestelar”: a inexorabilidade do passado

por Marcos Craveiro
Publicado em 24 de novembro de 2014

Impossível passar incólume a estreia de qualquer filme do cineasta britânico Christopher Nolan. Trabalhando na indústria hollywoodiana, fazendo filmes com orçamentos milionários (os tão conhecidos blockbusters), Nolan consegue levar as telas toda a sua megalomania em filmes que, mesmo repleto de efeitos especiais e histórias mirabolantes, são, acima de tudo, “pequenos” épicos intimistas da busca de um personagem pela sua verdade interior e os fantasmas do passado que o persegue.

Com a reinvenção da figura do personagem Batman, transformando-o em um ser amargurado e traumatizado com a morte dos pais, em “Batman Begins” (baseado na HQ de Frank Miller), Nolan conseguiu um dos maiores sucessos de bilheteria da sua carreira até então, ganhando carta branca para seus projetos/devaneios futuros. Com isso, criou em 2010 o que viria a ser, até o momento, sua grande obra-prima: “A Origem”.

Em seu novo filme “Interestelar” (2014), Nolan sai do universo das conspirações, perda de memória, sonhos dentro dos sonhos e das personagens de HQ e vai, literalmente, ao espaço. Em um futuro próximo a terra estará devastada e será preciso que a humanidade deixe o planeta em busca de algum outro lugar para habitar e garantir a existência da raça humana. O ex-astronauta Cooper (Matthew McConaughey), agora fazendeiro, acaba se voluntariando para essa empreitada junto com outros cientistas.

Essa é a premissa inicial de “Interestelar”, a qual se desdobra em buracos no tempo/espaço, aterrissagem em planetas inóspitos, quinta dimensão e todas essas terminologias técnico-científicas que Nolan adora jogar na tela, tentando, em vão, nos explicar em detalhes as elucubrações de sua narrativa. Talvez seja esse um dos grandes problemas de “Interestelar”, acreditar que ser extremamente didático faça com que o público se interesse mais pelo filme, acontecendo justamente o contrário. Esse excesso de debate “terminológico” entre os cientistas tira muito do envolvimento que poderíamos ter com a narrativa e com as personagens. É paradoxal, para dizer o mínimo, que um cineasta adepto de uma construção extremamente elaborada de sua imagética, possa ficar tão preso as questões suscitadas pela palavra (pelo literário), ausentando essas imagens de seu poder indicial. Nolan reitera o que esta sendo visto através de um discurso que nada acrescenta à narrativa e as imagens criadas.

“Interestelar” peca também, a princípio, por uma incômoda sensação de déjà vu. O prólogo que mostra a família na fazenda, a relação do pai com os filhos e como a corrida atrás do drone indiano serve apenas como pretexto para mostrar o quão íntima/unida são as relações de afeto entre eles, é digno de qualquer abertura de um filme de Steven Spielberg (talvez muito disso deva-se ao fato que a primeira versão do roteiro de Jonathan Nolan, irmão do cineasta, tenha sido escrita para Spielberg). Não que isso seja ruim, mas é uma construção introdutória dos personagens muito maniqueísta e esquematizada, típicas de obras “spielberguianas”, o que não combina com o universo de Nolan, um cineasta adepto de tramas não lineares e personagens marginalizados, perpassando um universo de estranheza tão perceptível em sua mise-en-scène. Soma-se a essa sensação de déjà vu a concepção visual da fazenda, que parece saída do filme Sinais (1992), que também fala de fé e a cura de uma dor do passado, temas recorrentes em Interestelar.

Superado esse primeiro momento no qual temos a construção necessária para as motivações posteriores do protagonista (sem esquecer a maravilhosa interpretação da garotinha Mackenzie Foy, que faz a filha de McConaughey), entramos no que realmente Nolan sabe fazer melhor: ampliar sua proposta narrativa em imensos exageros pirotécnicos/cênicos que se justificam e nos deixa extasiados em meio a uma obra de uma imensa envergadura emocional. Aqui Nolan adentra seu terreno seguro (o que nunca é ruim para o filme): “Interestelar” fala, assim como vários outros filmes do diretor, sobre como lidamos com o passado, ou como o passado nos persegue e nos faz ser quem somos.

Temos em “Amnésia” um protagonista que perde a capacidade de guardar memórias; Bruce Wayne transforma-se em Batman por não superar a morte dos pais; o protagonista de “A Origem” é atormentado pela morte da ex-esposa; e em “O Grande Truque” um dos mágicos tenta entender um passado cada vez mais incompreensível. Portanto, não seria diferente em “Interestelar”: é o passado das personagens, suas escolhas e motivações que interessam a Nolan. Seu cinema é cíclico (muitas vezes em um circulo que não se fecha), somos aquilo que nos tornamos por causa de um passado que passou e que não volta mais, mas que prossegue no presente, sem nos deixar ver qual o futuro que nos espera. O passado e o presente são dois elementos do tempo que convivem entre si.

A “busca” pelo passado em “Interestelar” é a busca por um afeto perdido, que deriva de nossa incompreensão de um destino que precisa ser aceito para que se continue em frente. Cooper não se perdoa por abandonar a família, especialmente a filha, empreendendo, de forma cíclica essa relação entre o passado e o futuro, sendo impossível falar mais do que isso sem estragar algumas importantes surpresas do filme.

Ao tratar de temas tão grandiosos, o que salta aos olhos em Interestelar é o potencial humano da jornada desses astronautas. A cena em que a câmera enquadra apenas o personagem de McConaughey chorando ao ver as mensagens vindas da Terra, após vários anos arquivadas, é absolutamente enternecedora. Uma imagem que vale mais do que qualquer explicação técnico-científica que possa ser dada durante todo o filme. Pouco é visto dessas imagens, ouvimos os relatos e o quanto isso representa para a Cooper. E, quando isso acontece, Nolan consegue nos conquistar através de uma emoção sincera e verdadeiramente palpável.


 

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