Liquidificultura

“Inquietos” – uma pérola de Gus Van Sant

por César Póvero
Publicado em 2 de fevereiro de 2012

“Inquietos” (Restless) é uma pérola de Gus Van Sant, naturalmente… redondinho, delicado, puro e verdadeiro. Surpreendente! Tocante e original. Depois de diversos filmes, alguns mais maduros como “Milk”, outros mais “vansantianos”, seria isso? Como: “The Last Days”, “Até as vaqueiras ficam Tristes”, que não agradaram a tantos, outros bem cultuados como “Drugstore Cowboy”, “Garotos de Programa”, “Elephant” e “Paranoid Park”. Porém, todos têm a lente do diretor, pra quem gosta, é fácil reconhecê-los.

Poderia ser um “água com açúcar” nas mãos de outros diretores, mas não é. Poderia ser um dramalhão pra alagar o chão do cinema, porém também não é. Depois do mais ou menos recente filme japonês “A Partida” de Yojiro Takita, porém com visões distintas, é o melhor filme sobre a morte, é melhor que o japonês no aspecto de encará-la como uma transição de vida e não algo partido propriamente dito. Apesar de espírita, não gosto dos filmes do gênero, aliás, não gosto de filmes religiosos, acho as religiões interessantes como reflexos da cultura de um povo, assim como os filmes de gastronomia, mas não dos dogmas na arte ou no entretenimento. “Inquietos” é a morte encarada de maneira mais realista sem foco nos picos da dor e sim no universo que a cerca. Velórios, cemitérios, necrotérios e hospitais, por que não? Tudo isso com um namoro em clima de brincadeira, impossível não usar as definições – lúdico e insólito.

“Inquietos”, traduzido milagrosamente no Brasil ao pé da letra, não sei se teve o melhor título, mas nem ao menos importa, nunca a morte foi tão bela e poética sem discursos religiosos. Pelo personagem Hiroshi, um falecido kamikaze, uma surpresa surrealista no filme, que coloca a espiritualidade de maneira mais natural em contrapartida e sem as caras e bocas dos estereótipos por aí. Não há como imaginar outro casal senão: Henry Hopper, filho de Dennis Hopper e Annabel – Mia Wasikowska, de “Alice no País das Maravilhas”. Eles tornam a morte doce e inocente, tão leve, difícil não se lembrar do filme “Ensina-me a Viver”, porém com identidades distintas. Foge do óbvio até o fim e surpreende sem nada prometer.

O cartaz divulgado por aqui, é mais comercial com o casal se beijando, a imagem com a qual conheci é com a da brincadeira de deitar no chão e demarcar a silhueta com um giz contornando o corpo como se fosse uma vítima no local do crime. Pode não ser o melhor de seus filmes, mas mostra um poder de amadurecimento e renovação. É muito importante um criador saber se renovar, mesmo sem perder seu estilo ou sua marca.

“Inquietos” lava a alma, pelo menos para os sensíveis, não os chorões só, os sensíveis mesmo., sai leve, porém seco.

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