Consoantes Reticentes…

“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”: por uma estética das afetividades

por Marcelo Sguassábia
Publicado em 17 de abril de 2014

Lançado despretensiosamente em 2010, ninguém imaginava que o curta-metragem “Eu Não Quero Voltar Sozinho” se tornaria uma espécie de cult instantâneo, falando tão diretamente a tantos adolescentes que iniciavam seus passos na vida amorosa e/ou sexual.

Quatro anos depois o diretor Daniel Ribeiro lança um dos desdobramentos desse seu trabalho: o longa-metragem “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014). Partindo da mesma premissa do curta realizado em 2010, acompanhamos o dia a dia de três adolescentes: o deficiente visual Leonardo, sua melhor amiga Giovana e o recém-chegado Gabriel e como esse novo aluno se interpõe na amizade dos outros dois alterando as relações que até então pareciam ser ideais.

Os mesmos atores do curta (Ghilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim) retornam ao longa repetindo seus papéis anteriores, fazendo com que a química existente entre os personagens, que já era extremamente crível no curta, se torne um dos grandes trunfos do filme, fazendo-nos desfrutar das peripécias sentimentais desse trio de protagonistas, envolvidos em uma espécie de rito de passagem da adolescência para a idade adulta. 

Até aqui nenhuma novidade em relação a vários outros filmes com a mesma temática. Mas, a aposta no carisma do elenco, principalmente em Ghilherme Lobo, que faz o personagem Leo, é acertada na construção da empatia com que Daniel Ribeiro quer que partilhemos com seus personagens. Mesmo que algumas cenas oscilem em nos passar credibilidade diante de pequenos detalhes, é nesse vínculo de afeto proposto pelo cineasta, afeto esse impresso em cada detalhe da direção e na condução dos dramas de seus protagonistas, que se dá o grande salto qualitativo do filme, elevando-o a uma gama de matizes de sentimentos de uma humanidade acachapante. Daniel ama seus personagens, assim como o elenco os trata de forma enternecedora, fazendo com que nós, espectadores, tenhamos uma tarefa absolutamente improvável ao não nos envolvermos com os (des)caminhos dessa narrativa. Percebemos que cada personagem tem um pouquinho de nós, de nossos medos e de nossas angústias outrora vividas em meio a descobertas e anseios juvenis. Quem nunca ficou com um amor não correspondido engasgado na garganta?

Independentemente de orientação sexual ou daquilo que acreditamos como certo ou errado dentro de uma sucessão de valores sociais, “Hoje Eu Quero..” fala da descoberta do primeiro amor, um amor que precisa se afirmar independente de qualquer barreira que possa vir a encontrar em sua frente. Para Edgar Morin, em “Amor”, poesia e sabedoria: “a autenticidade do amor não consiste em projetar nossa verdade sobre o outro e, finalmente, ver o outro exclusivamente segundo nossos olhos, mas sim de nos deixar contaminar pela verdade do outro”. Mas como esse amor se dá em relação a um garoto deficiente visual que se apaixona pelo seu melhor amigo? Para Leo, que não enxerga, como deixar-se contaminar pelo outro? Através dos sons, dos cheiros, da pele? É nesse universo de complexidades que Daniel tira as escolhas acertadas de sua estreia em um longa-metragem: opta pela simplicidade, sem pretensões de grandes respostas, apenas a certeza de que os afetos nos fazem únicos diante do outro, que reconhece e aceita cada um do jeito que é e/ou da melhor maneira que pode ser.

“Hoje Eu Quero…” não é um filme sobre aceitação, ativismo político a favor das minorias sexuais, portadores de deficiência visual ou sexualidade na adolescência é, antes de tudo, “apenas” um filme singelo que mostra que amar e ser amado ainda é a busca motriz da humanidade, não implicando qual o tipo desse amor e/ou afeto e sim a acuidade da construção de uma relação de intimidade que nos completa e nos enaltece, seja ela de amizade, amorosa ou sexual.

Trailer do filme (veja a programação em Campinas):

 

Confira o curta-metragem abaixo:

 

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