Liquidificultura

Helena e o Hipopótamo

por César Póvero
Publicado em 3 de março de 2011

Helena nasceu com nome de heroína mitológica, de protagonista de novelas famosas e parecia saber disso. Já na infância, fazia o que bem queria. Aluna aplicada, filha obediente e irmã dedicada. Helena amava a natureza, já que nascera numa família de fazendeiros, então sempre era possível de se admirar Helena abraçada a uma árvore, pés no chão, raízes fortes. Helena também amava os animais, já que a fazenda era povoada por eles, galinhas, vacas, patos, cabras, cães, gatos, desta forma sempre era possível de se assistir Helena rolando nos campos com as tantas espécies que viviam por ali. Helena amava um hipopótamo que logo batizou de Hepaminondas, com “H” para combinar com o seu. Ninguém sabe até hoje, por que carga d’água aparecera àquela espécie originária da África, ainda bebê, na beira do rio que atravessava aquela propriedade em terras tão distantes. Todos bem que tentaram encaminhá-lo para um órgão responsável, mas foi em vão.

Helena tão comportada nunca havia batido o pé pra nada e em febre alta clamou para que nunca a separassem da fofa criatura. Helena “não” amava sua família, os tais chamados seres humanos. Por mais incrível que possa parecer, ela achava homens e mulheres, seres frios, cruéis, prepotentes, egocêntricos e preferia todas as criaturas citadas acima. Principalmente Hepaminondas. Para que Helena pudesse “se livrar” dos seres humanos, precisava se casar. Seria a maneira mais prática “naquela época em que vivia”. Trocaria todos “eles” por um único homem, depois se separaria inventando um adultério.

Heitor amava muito sua família, amava a natureza e amava Helena. Havia sido amor à primeira vista, (da parte dele, mas ele não desconfiava disso) estudavam na mesma universidade, ele em agropecuária e ela em agro-veterinária. Ele só não conseguia amar o amigo herbívoro de Helena. Ele sabia que para conquistá-la teria que aprender a amar (ou fingir) o hipopótamo macho adulto já com 4 metros e 3500 kg.

Helena decidida a livrar-se dos humanos achou Heitor uma boa espécie de ser humano, porém sabia de sua falta de capacidade de amar tal espécie. Se mudariam os três para uma nova casa no campo longe de todos. Helena, Heitor e Hepaminondas. O que mais havia lhe chamado a atenção em Heitor também era o “H” seguido sabiamente pelo destino, de um “E”. Após a cerimônia e a grande festa promovida pelas duas famílias latifundiárias, saiu pela estrada o feliz casal e o acompanhante inseparável sob o sol. Todos inconformados haviam feito de tudo para que Helena tirasse da cabeça a estapafúrdia ideia de arrastar o hipopótamo para a viagem de núpcias. Qualquer pedido ou teoria foi em vão. Helena alegou – ecologicamente correta – que Hepaminondas não sobreviveria por quinze dias sem seu cheiro, sua voz, etc.. Afinal em todas as tentativas de afastamento por poucos dias, o “amigo” havia feito greve de fome como um faquir militante.

Como o dinheiro adquire quase tudo, todos os três foram muito bem recepcionados no hotel cinco estrelas, já bem avisado. Durante a noite, a virgem Helena não se entregou a Heitor que com medo, pela primeira vez dividia a amada com Hepaminondas em quatro paredes. A suíte era ampla, quase de se perder, mas não tanto para que Heitor pudesse consumar o ato sem que o mascote não desse “um bocejo” bem próximo. Na manhã seguinte, Helena acordou na paz dos anjos, estava agora longe da família, era dona do próprio nariz, ainda tão jovem e poderia terminar seus estudos morando em sua nova casa de campo com galinhas, vacas, patos, cabras, cães, gatos e “seu amado”. Helena não estranhou quando viu seus lençóis sujos de vermelho na escuridão da manhã nublada e com cortinas cerradas. Pois a pele dos hipopótamos é muito sensível a queimaduras solares e, para se protegerem, segregam uma substância de cor vermelha que ao longe pode ser confundida com sangue. Ligou a TV e ficou feliz juntamente com seu companheiro assistindo um documentário sobre a selva africana.

O locutor dizia…Os hipopótamos têm uma mordida extremamente forte em torno de 810 kg, mais do que o dobro da mordida de um leão, seu único predador. Causam mais mortes de humanos na África do que os leões, búfalos, elefantes e rinocerontes “juntos”. São muito agressivos, avisam antes de atacar, geralmente ficam encarando e depois abrem sua grande boca para mostrar os dentes, mas muitas pessoas confundem com um bocejo. São herbívoros e alimentam-se durante a noite da vegetação existente nas margens dos rios que habitam, mas há indícios de canibalismo de machos adultos com filhotes.

Helena estranhou a ausência de seu marido Heitor, mas como confiar em humanos? Porém sorriu para Hepaminondas quando se lembrou que os hipopótamos eram sagrados para os antigos egípcios e Tuéris, deusa da fertilidade, era representada por um hipopótamo bípede. Saíram a passeio no novo carro conversível, sentia-se uma filha de Zeus, uma protagonista de novela das nove. O sol parecia surgir brilhando no horizonte, então Helena passou filtro solar, subiu a capota, era preciso proteger a pele de Hepaminondas. Era preciso proteger a natureza.

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