O homem foi taxativo quando falou comigo no sonho. A garrafa lá no canto do quintal, junto com outros velhos vasilhames. Uma crosta grossa de pó encobre o poder daquele entulho de vidro sobre todas as coisas, e nem precisa esfregar: tire a tampinha enferrujada e espere pra ver. A garrafinha verde era a versão terceiro mundo do achado do Major Nelson na Praia dos Cocos. Deus deixou lá um tiquinho Dele, louco de quem souber e não tirar proveito. Eu era o terceiro a quem se dava a graça. Os outros dois já chafurdavam em champagne e caviar, correndo mundo em jato próprio, acendendo charuto com nota de cem. Assim me disse o homem do sonho.
Tentar não custa, vamos a ela com a fúria de quem se vinga das megasenas não contempladas, dos contos do vigário sofridos tantas vezes, dos sapos engolidos, das milhares de manhãs de segunda encaradas com a fleuma e a palidez de quem não tem outra saída.
E a coisinha bem-aventurada caía no meu colo sem miséria de pedidos – nada de três desejos e basta. A sorte grande vinha sem racionamento, pra enjoar de enriquecer. Nunca mais ter que vender o almoço para comprar a janta, implorar fiado, refrescar a família em piscininha de lona na laje do muquifo.
Às favas com essa miséria de tampa de iogurte e água no xampu. Minha garrafa vai jorrar gastanças, haras de mangalarga, partes majoritárias em empresas de minério. Gini parece me olhar também, à medida em que me aproximo dela. Tudo indica que o homem do sonho está comigo, me escoltando para que eu mantenha a calma. Chegou a hora. Mais uns passos. Vamos lá.
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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.
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