Tomei conhecimento, de verdade, de Chico Buarque de Holanda no final dos anos 70. Um “bolachão” da minha prima Sueli – me desculpem a intimidade, mas não poderia deixar de citá-la, tamanho sua importância em minha cultura musical e porque na quinta, 18 de junho, foi seu aniversário também – me revelou ainda moleque “O meu Amor”, “Trocando em Miúdos”, “Pedaço de Mim” e entre outras “Cálice”, que eu não entendia muito mas já percebia que a leitura não seria inocente; que havia algo de muito complexo, uma música urbana e politizada, que me encantava estranhamente aos ouvidos em comparação ao que eu trazia então comigo, na algibeira, lá do interior do sertão. Mas era definitivo. Entre o Neruda e o malandro, estava eu, devorando tudo que meus limites infantis me permitiam a respeito daquele artista, ou seja, apenas o que o rádio ainda sob censura incluía em sua programação ou o que a TV nos mostrava, contudo minha autonomia nos botões da telinha era ainda muito pequena. Mas eu parava e ouvia o velho SEMP de minha tia, também um pouco me censurando pelo fato de tais canções não compartilharem a preferência dos meus amigos da época, mas ouvia “O que será que será, que andam suspirando pelas alcovas…” e me perguntava: o que será?
Chico completou (na quinta, 19 de junho) 70 anos de música, de literatura, de poesia, de política…não sei. Acho até que de vida. Um misto de homem e gênio, de carioca e paulista, de poeta e boleiro, de artista e excêntrico, o avesso, do avesso; ainda jovem, vigoroso e polêmico, o que faz de Francisco o Chico, longevo mais um setentenário pelo menos, seguro de sua influência nas mentes, ouvidos e penas mais fluentes do planeta.
Sempre polêmico na efervescência política, é difícil não considerar seu pensamento, mas separemos o artista do militante. Mesmo no Panteon Francisco é de carne e tem seus ideais como qualquer outro brasileiro que caminha apressado pelas calçadas do Leblon ou que sobe calmamente com os elevadores da Paulista. De “esquerda” ou de “direita”, Chico está no centro de nossa mais significativa manifestação artística há 70 anos, desde que nasceu. O mito não é imune à vida, aos valores, as influências, às cicatrizes e batidas no seu portão, aos erros e convicções. Reconhecido em Cuba, na Europa ou na Ásia e em toda parte do mundo – exilado ou conviva – Chico merece que elevemos o homem à sua obra ou como diria o Chico do futebol, “é preciso separar o Edson do Pelé”, com quem ele certamente gostaria de ser também uma comparação.
Em que pese meu vício, ninguém é absoluto para todos e isso nos torna ainda mais humanos num mundo mais apaixonante e misterioso, tal qual o “bolachão” encontrado cuidadosamente, em pé, numa caixa de papelão envolvida por papel de presente, mas reconhecer o valor do nosso patrimônio artístico é uma obrigação apenas não esperada pela ignorância cultural, minoria insípida que fenece ao poder da história.
E em meio a tantos fantasmas do pós-modernismo, o que continua encantando mesmo a alma do velho moleque curioso, que ainda pergunta “o que será que será”, é imaginar que com todo direito a seu charuto cubano e seu whisky escocês se encontra um Chico rindo, lindo, de papo pro ar, pronto para mais uma. E que venha!
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