Olhando de onde olho, com o olhar mais habitual que se deita às coisas, com o olhar passageiro de quando estou passeando por uma paisagem, pareço estar bem, sim. A esta distância, nessa perspectiva, pareço um pequeno lugar de paz.
Agora, se paro e olho melhor, me deparo com sombras, reentrâncias, profundidades, voçorocas… pequenos abismos que revelam em seu fundo olhos d’água promissores, a fluir seus cristais maravilhosos a carregar sais e amarguras de uma alma sendo lavada, mas com ainda mais a ser lavada e levada a outros patamares de meu próprio ser.
Pareço estar bem, sim, pois aprendi a ser natural em meu sigilo e guardados sobre as minhas dores, minhas decepções, meus desalentos – e até mesmo sobre as minhas pequenas satisfações e conquistas cotidianas, que as vejo, eis que nem sempre encontro a pausa, o convívio e as circunstâncias em que o compartilhar seja espontâneo e acolhedor – eu que, só, estou pleno de mim e de tudo: tristezas, alegrias, passarinhos, florzinhas brotando no asfalto, violência política e urbana, nuvens fazendo desenhos em minha imaginação, um amigo que se mudou pra longe, uma fome ou um tesão insaciados, a luz do sol em seu pino e nascente e poente, a casa vazia quando chego, a ligação ao Mestre, os amigos ocupados, a saudade, o desejo, a necessidade, a esperança, abandonos que senti e abandonos que fiz sentir, os esquecimentos, a alegria do dia de sessão, as escalas de todos os dias, o pudim de leite condensado, os ultrajes, o queijo cabacinha, os reconhecimentos, o céu estrelado muito bem feito e caprichado, o riso de uma criança, as comidinhas queimadas e yanguizadas, fazer jardim, a fecundação, o broto novo, o morador de rua, um jovem espremido em um muro sendo revistado e desrespeitado, o morrer, o renascer, as profecias pro alto, a nona sinfonia, a carmina burana, o concerto para um violoncelo, meu filho, as minhas amigas, rir um pouco, te encontrar – você que não sei, e te abraçar, beber café com sossego, colher com dignidade…
Tudo isso… – coisas que vivi, senti e sinto… atravessando, recebendo um poema novo, um amor na minha vida, obedecendo ao meu grau, ampliando minha paciência, cumprindo meu caminho e compreendendo esse tempo, essa eternidade, eis que tudo é assim mesmo e está em seu lugar de movimento e de encontro de um lugar melhor pra cada coisa e cada sentimento, cada pensamento, cada fazer e cada não fazer, um lugar de mais ordem e mais evolução, onde cada vez mais e profundamente eu me torno eu mesmo, eu inteiro, eu íntegro, eu verdadeiro, universal – com o lugar de luz, de paz e de amor se alastrando e ocupando mais e mais em mim, cada vez mais fraterno e unido… mesmo eu ainda imperfeito, como sei ser, como consigo e como sou, assim, desse jeito, bem.
Como lidar com tudo isso? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.
VAGNER COUTO, psicanalista – Contato: 19 99760 0201 – vagnercouto1@gmail.com / www.facebook.com/vagner.couto.9678
É assessor acadêmico do CEFAS, Escola de Psicanálise. Já coordenou a realização de mais de 50 simpósios e outros eventos psicanalíticos e de saúde mental junto a instituições como Associação Brasileira de Psicoterapia de Grupo, Núcleo de Estudos Psicológicos da Unicamp, Sociedade Psicanalítica de Campinas e CEFAS. Tem profunda vivência em práticas holísticas de saúde mental em instituições como Brahma Kumaris, Instituto Eneasat e Laboratório de Práticas Dialógicas. Tem 27 anos de experiência como conselheiro em instituição dedicada ao autoconhecimento, à expansão da consciência e à espiritualidade. É autor dos livros “Admirável momento novo” e “A estrela da manhã”.
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