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“Elysium”: a cidade utópica em um cinema distópico

por Hélio Costa Júnior
Publicado em 1 de outubro de 2013

Bons filmes e livros de ficção científica usam o futuro, com cidades e sociedades metafóricas, para falar do seu tempo, propondo reflexões acerca das experiências do hoje e como elas poderão reverberar, subsequentemente, em um futuro distante. Desde o início da história do cinema, com o filme “Metrópolis” (1927), dirigido por Fritz Lang, já era criada as bases do que viria a ser a ficção científica moderna, influenciando várias gerações posteriores. “Metrópolis” fala de uma sociedade industrializada afoita por novas tecnologias, criando robôs a imagem e semelhança humana, enquanto os cidadãos inferiores (os operários) vivem nos subterrâneos. Posteriormente, vários filmes tomaram partido deste ideal de distopia urbana criando cidades/mundo sempre em uma aparente desordem com o social: “Blade Runner” (1982) e a Los Angeles de 2019, “Fuga” no século 23 (1976) e a cidade de Domos, “Cidade das Sombras” (1998) e a Dark City do título, “Matrix” (1999) e a cidade subterrânea de Zion, até em uma recente animação da Disney/Pixar, “Wall-E” (2008) e a cidade/nave de Axiom, entre outros.

Em “Elysium” (2013), o diretor sul-africano Neill Bloomkamp, articula seu imaginário em eventos que podem ser localizados antes dos acontecimentos de “Wall-E”, com uma clara alusão a divisão de classes de “Metrópolis” (os que vivem acima e os que vivem abaixo). O planeta Terra ainda é habitável, mesmo com a população vivendo em um mundo repleto de doenças, no qual o caos urbano, a precariedade de moradia e de subempregos continua sendo perpetuada. A Terra torna-se uma metáfora de um país terceiro mundista que não consegue assegurar os itens básicos de sobrevivência a sua população.

Com isso, o mundo almejado, a perfeição de uma sociedade onde tudo funciona é Elysium: uma cidade que mais parece um grande condomínio de luxo, que vive em órbita ao redor da Terra, a qual só tem acesso os ricos e poderosos, que ganham de brinde nesta moradia uma exuberante e privilegiada vista do planeta Terra. Ninguém morre em Elysium, não existem doenças e tudo é rigorosamente controlado em sua fronteira aérea. Qualquer semelhança com a fronteira entre Estados Unidos e México e a entrada de imigrantes ilegais no país não é mera coincidência. Bloomkamp tece uma rede de relações sociopolíticas, assim como já havia feito em seu filme anterior “Distrito 9” (2009), que discursava sobre exclusão social, desrespeito à dignidade humana e conflitos étnicos em uma “embalagem” de ficção científica.

“Elysium” gira em torno do herói/rebelde, Max da Costa (Matt Damon), que é alçado a essa categoria involuntariamente, que parece predestinado a algo maior (assim como o Neo de “Matrix”), e que subverte uma trajetória que, a principio, é pessoal, em uma trajetória que libertará a todos da opressão dominante. Com a ajuda de Spider (auspiciosa estreia de Wagner Moura no cinema americano), uma espécie de ladrão/traficante e “coiote” (responsável por burlar as fronteiras entre a Terra e Elysium, mandando “imigrantes” para este lugar), Max torna-se uma ameaça ao status quo perpetuado pelos moradores de Elysium. Em um mundo que reina a distopia, onde a população não tem acesso ou direito às regalias, permitidas apenas a minoria possuidora do poder financeiro e político, a cidade Elysium é a utopia que precisa ser alcançada, é o não lugar, nem terra, nem céu, mas que transita entre esses dois ambientes, proporcionando uma vida de luxo e conforto para os habitantes de uma “alta” classe social.

Outro tema muito importante em “Elysium” é a exiguidade do tempo. Temos um “herói” que é alçado a essa posição ao ser exposto, acidentalmente, a radiação, restando a ele apenas cinco dias de vida. Temos também a filha de uma enfermeira, interesse romântico do herói, que tem leucemia e já foi desenganada pelos médicos. É a luta contra a brevidade de um tempo que passa rápido demais, um tempo ao qual não temos controle, mas que não existe na cidade utópica de Elysium, onde todos podem ser curados de qualquer problema de saúde através de grandes máquinas, parecidas com scanners, que regeneram cada parte “danificada” dos seres humanos.

Assim como em “Blade Runner”, em que os replicantes se revoltam por terem apenas quatro anos de vida, Max sai em uma busca desesperada à Elysium para que sua existência não seja abreviada. O que nos move é esse eterno dilema de que, a única grande certeza da vida, é o morrer. A utopia de Elysium, a cidade, é propor esse controle sobre a nossa existência, pois bastaria sair da órbita desta cidade para ser entregue a um destino fatal. Elysium e as novas tecnologias são o Santo Graal de uma era informatizada, repleta de virtualidades, na qual tem o poder quem domina esses processos de automação.

Em um mundo controlado por uma mega-corporação (a Armadyne), empresa capitalista que assume o papel do Estado e possui as “chaves” de Elysium, são eles que decidem quem entra ou fica fora desta cidade, que seria o equivalente entre escolher, a partir do poder aquisitivo de cada indivíduo, quem vive ou quem morre. Muitas vezes, as grandes ficções, são mais próximas da realidade do que gostaríamos de acreditar.

Veja o trailer abaixo e os cinemas onde o filme está passando em Campinas:

 

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