– Senhor Alcindo, comecemos do começo. Consta dos autos que o senhor iniciou sua vida profissional como coletador de excrementos de elefantes. Confere?
– Isso mesmo, autoridade. Ganhava quase nada e trabalhava feito um condenado. Até que uma elefanta deu cria e eu fiquei com o filhote. Quando o filhote cresceu…
– Em que lugar o senhor criava esse filhote?
– Numa chácara de um amigo do meu pai.
– Pode nos dizer o nome dele?
– Usando o direito que a lei me garante, permanecerei calado. Desculpe, autoridade, o nome do dono eu não lembro mesmo… Mas, continuando. Quando o filhote cresceu, eu tive a ideia de ir pra rua com ele e levar as pessoas para dar voltas de elefante. Foi um sucesso extraordinário! Dez reais por cabeça, chegava a levar oito em cada voltinha de dois minutos.
– Deixa ver, fazendo aqui um cálculo aproximado, e chegamos à conclusão de que, mesmo se o senhor levasse a população inteira do país para dar voltinhas de elefante durante 3 séculos, ainda assim não conseguiria acumular nem 1% da fortuna que possui.
– Eu posso explicar, autoridade. Os passeios no lombo do elefante foram o começo de tudo. Enquanto ganhava dinheiro com isso, comecei a pesquisar os dejetos do bicho em nível laboratorial, e desenvolvi a formulação do superesterco. Uma invenção minha, capaz de aumentar a produtividade agrícola em 250%.
– Não diga? Que peculiar.
– Depois que a fórmula do superesterco estava pronta, fui procurado por uma grande empresa multinacional… Como é que era o nome mesmo? Algo parecido com Meu Santo, Seu Santo, sei lá, qualquer coisa assim.
– Prossiga, Sr. Alcindo.
– Então. Um grupo de executivos da matriz dessa corporação começou a me assediar, oferecendo um basculante de dólares para que eu vendesse pra tal da Monte Santo a patente do gigaesterco.
– O senhor mencionou há pouco que era super, e não giga.
– Tanto faz, autoridade, aquela merda não tinha nome ainda. E não tem até hoje, porque o fertilizante está em fase de testes.
– Onde?
– Em um laboratório na Groenlândia e também em uma fazenda de um primo-irmão do tio de um compadre do meu pai. Eles perceberam que a minha invenção tinha potencial para exterminar a fome no mundo em questão de semanas.
– Entendo. Mais uma vez, um providencial amigo do seu pai aparece na história para ajudá-lo, é isso? E essa fazenda fica perto da chácara do outro amigo do seu pai, onde o senhor criou o primeiro elefante?
– Como é que o senhor sabe?
– Dedução. Vá em frente.
– Bom, aí eu vendi a patente e entrou na minha conta uma grana mais preta que o estrume da minha manada inteira.
– Presumo que o senhor Alcindo poderá nos dizer onde se encontram os documentos dessa transação e os recibos do imposto recolhido…
– Usando o direito que a lei me garante, permanecerei calado.
– Certo, faça de conta que não lhe fiz essa pergunta. Continue narrando sua saga empreendedora.
– A autoridade sabe que dinheiro faz dinheiro. Foi quando, em sociedade com um outro amigo do meu pai, e usando os recursos da venda mundial da patente, eu comecei no ramo da exportação de marfim.
– Conte-nos mais sobre isso.
– Ao mesmo tempo em que produzia as fezes, 100% compradas pela Seu Santo, também extraía o marfim dos bichos, embarcados quinzenalmente para Hong Kong. Eram centenas de toneladas em cada remessa.
– Mostre-nos as guias da Cacex e as autorizações aduaneiras.
– Usando o direito que a lei me garante, permanecerei calado.
– Eu não pedi que o senhor fale nada. Apenas coloque sobre minha mesa os papéis solicitados.
– Usando o direito que a lei me garante, não vou pôr nada na sua mesa, não senhor. Só digo para o senhor que, a partir das minhas experiências na química das fezes elefantinas, eu criei uma modificação nos códigos genéticos dos animais para que eles passassem a ter uma média de 94 dentições de marfim ao longo da vida. Foi essa minha expertise que me deixou milionário, autoridade.
– Não há dúvida que sua ainda curta biografia é mesmo uma estonteante trajetória de sucesso. Um exemplo pra esse povo que tanto reclama da vida, não é mesmo? Parabéns. Está dispensado, por enquanto.
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