Pensar Psicanalítico

Do eu sou ao vir-a-ser – Uma incursão a subjetividades ancestrais

por Vagner Couto
Publicado em 19 de abril de 2024

No trabalho psicoterapêutico se trabalha com uma ideia de saúde mental. No trabalho com saúde mental se trabalha com uma ideia de mente, de psiquismo, de subjetividade, de conteúdos inconscientes e outras questões. Mas: o que é a mente? E que conteúdos são estes? De onde vêm? As respostas pra isso podem ser várias, mas, de alguma forma, se relacionam com o mistério humano, o ainda sondável mistério humano. É dentro desse contexto que está a narrativa a seguir.

 

Quem acha que me conhece, conhece as camadas que conseguiu tocar, os lugares que conseguiu chegar.

 

Quem acha que me conhece, que sabe como sou, de que elementos sou constituído, como é a minha natureza, meu psiquismo, como funciono e o que esperar de mim – só conhece o que alcança a sua própria percepção e sensibilidade, seus códigos e seus valores, seu sistema classificatório e normatizador.

 

Quem acha que me conhece só acha que me conhece. Há camadas em mim que só eu toquei, e há lugares em mim que só eu entrei.

 

Quem acha que me conhece, só conhece os pensamentos dos quais fiz palavras, só conhece os sentimentos dos quais fiz expressão, só conhece os impulsos dos quais fiz gesto ou atitude.

 

Além das camadas e lugares em mim, há um núcleo original que eu, um dia, o soube, mas que, agora, é só um lugar oculto em meu centro, segredado até a mim mesmo, guardado em profundidade hoje ainda insondável, lugar abissal que é, ao mesmo tempo, o cume de mim.

 

Camadas e camadas de vida se formaram em torno desse núcleo ao longo dos milênios. Vidas e vidas se sucederam, cada uma com a sua pele própria, cada uma delas com sua cor, substância e textura… – cada uma delas impregnada de histórias que, do que sei, algumas, nem ouso contar. Mas, outras…

 

Eu, ser humano, habitei a Pangeia, e nela falei a língua original em sua magnitude e alcance, com a qual eu conjugava o Verbo magnífico em seu tempo, modo e lugar. E a Pangeia inteira eu vi partir-se em fragmentos vagando pelo mar sem fim quando o dilúvio aconteceu, invadiu minha casa e eu nele me afoguei – ao mesmo tempo em que via o Everest subir em direção ao céu. Perdi tudo e até a mim mesmo, eu que já não me tinha.

 

Em cada uma das eras eu forjei meu ser, em cada uma das eras eu as impregnei em mim mesmo, me constituindo de infinitos sobre infinitos – e fazendo da substância dessas eras a minha própria substância, e fazendo da realidade dessas eras a minha própria realidade. Eis que, assim – eu, as estrelas, as galáxias e o próprio espírito cósmico somos todos um.

 

Em cada uma das eras eu estive presente, em cada uma das eras eu vim a este mundo, em cada uma das eras eu encarnei meu ser, me fiz humano, caminhei neste chão e vivi as experiências próprias a cada uma delas: habitei cavernas, frequentei desertos, cacei mamutes, enfrentei eras glaciais, vi auroras boreais jorrarem dos céus infindos e vislumbrei os horizontes promissores da evolução que, ainda hoje, traz sua luz qual vagalumes pulsando aqui e ali…

 

Hoje estou aqui, vertendo meu olhar sobre esse tempo e buscando nele quem sou e qual é o meu lugar, mais uma vez caminhando no meu caminho e resgatando a mim mesmo e ao meu sentido humano de existir.

 

Ainda hoje estou aqui, na forma desse eu inquieto e buscador, esse eu que se sabe mais do que eu próprio o sei, eu que tenho um nome, ancestrais, história, identidade, valores, memória, sensibilidades, instintos, possibilidades, vislumbres, compreensões, lugares internos que doem, lugares internos que sorriem e um olhar muito específico a respeito disso tudo… – no cumprimento de um desígnio espiritual que ainda percebo, verdadeiramente, qual é, e como e porquê.

Assim, no influxo do “humano, demasiado humano”, de Nietzche – quando encontro alguém que acha que me conhece, querendo rotular ou estigmatizar a pessoa que hoje me constituo e que sente tudo isso… – eu, ainda incompleto e inacabado em meu processo de vir-a-ser, ainda impossibilitado de receber atribuições definitivas a meu respeito… – lembro do refrão final da música “Princesa encantada”, de Cacique e Pajé, e com ele eu fico: “…todo mundo me conhece, mas não sabe o meu valor”. Com ele eu fico.

 

COMO LIDAR COM TUDO ISSO? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.

Para falar particularmente com o autor, use: 19 99760 0201 [zap] ou vagnercouto1@gmail.com

 

Vagner Couto, psicanalista, com especialização em Psicoterapia Psicanalítica Breve, aperfeiçoamento em Psicoterapia Psicanalítica de Casais e formação em Psicoterapia Energética Corporal, tem mais de 40 anos de vivência em instituição dedicada ao autoconhecimento, à expansão da consciência e à espiritualidade. Poeta e escritor, é autor de “Documento sobre a colheita do algodão”, “Admirável momento novo”, “A estrela da manhã” e outros escritos. Jardineiro, ama cultivar pessoas e cuidar delas.

 

 

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