Não é de hoje que o diretor norte-americano Quentin Tarantino gosta de revitalizar alguns “gêneros” de filmes dentro de sua filmografia. Fez isso com os filmes de gângster e assalto (Cães de Aluguel, Pulp Fiction), o blaxploitation típico dos anos 70 (Jackie Brown), o cinema de artes marciais oriental (Kill Bill), o filme de guerra (Bastardos Inglórios) e o filme de terror/suspense B (À Prova de Morte). Adicione a essa “homenagem” ou reapropriação e, muitas vezes, cópia “descarada”, uma pitada de referência pop (filmes, músicas, quadrinhos, etc) ou até mesmo uma autorreferência e temos assim esse cinema “tarantinesco”, que insiste em criar obras de grande “originalidade” calcadas em um amontoado de citações.
O que podemos perceber aqui é que Tarantino está inserido em um cinema de pastiche: produz obras através da reunião e da colagem de outros enunciados (outras obras) independentemente do suporte ao qual possam pertencer. Para o filósofo russo Mikhail Bakhtin, essa ação parte da diluição da obra original quase levando-a a sátira ou a paródia, podendo ser considerada até um tipo de homenagem. Essa junção de pequenos pedaços (retalhos) de diversas obras é colocada nos filmes de Tarantino acrescentando a elas um novo significado, criando assim um amalgama intertextual nos meandros da construção diegética e imagética desse cineasta.
E não seria diferente com o seu novo filme, Django Livre, um “retorno” aos westerns spaghettis tão famosos nos anos 70. Tarantino pega os clichês desses filmes (principalmente os filmes do diretor Sergio Corbucci), seus clichês particulares e os coloca juntos em uma discussão, ou melhor, apresentação, dos fatos decorrentes da escravidão no sul dos Estados Unidos. Essa abordagem da escravatura americana vem causando certo desconforto em alguns críticos, acusando o filme de racista e indignados com a maneira com a qual Tarantino gosta de manipular fatos históricos a seu bel-prazer (em Bastardos Inglórios ele mata Hitler). Polêmicas à parte, não dá para esperar de um diretor que converte seu cinema em um pastiche de outras obras e filmes, presentes no terreno da ficção, algum tipo de precisão histórica. Essa precisão, em sua grande maioria, não acontece nem com os filmes que se dizem Históricos (com h maiúsculo) ou baseados em fatos reais, imagine com uma obra que se propõe repleta de artificialidades, seja em sua encenação ou em sua composição.
Esse pastiche em Tarantino é fruto de uma mente em absoluta convergência com a atualidade, na qual o exagero, o excesso, a repetição e o simulacro são facetas de uma mesma moeda.
Em Django Livre, Tarantino faz sua ópera barroca, muito similar aos espetáculos de violência produzidos pelo diretor Sam Peckinpah nos anos 60/70, com quem guarda muitas similaridades. Ao contrário de Peckinpah no qual a violência é em câmera lenta, anunciada e quase coreografada, em Tarantino ela continua coreografa, mas aparece de forma inesperada, em um êxtase frenético. O filme, como todos os outros desse diretor, trata do tema da vingança, aqui sendo o foco da ação o revide que o escravo liberto Django quer dar naquele que comprou sua esposa, o almofadinha do velho oeste Calvin Candie (papel do sempre ótimo Leonardo DiCaprio). Mas quem rouba o filme, situação já vista no anterior Bastardos Inglórios, é o ator Christoph Waltz, que nos deixa “siderado” em cada cena que aparece, com um domínio inegável da arte da interpretação, fazendo com que seu companheiro de elenco se torne um estupefado Jamie Foxx (o Django do título e personagem principal dessa saga) que assiste tudo de camarote e se torne secundário em cada momento que Waltz aparece em cena.
Pode-se gostar ou não de Tarantino, pode-se criticá-lo ou se escandalizar com seu excesso de sangue e violência estilizada, mas jamais ignorá-lo. Suas obras são filmes imprescindíveis dentro de um mundo que se enaltece na busca incessante da originalidade de um autor/diretor cinematográfico, ou de qualquer outra área que seja, no qual o ineditismo é o grande engodo dessa busca. Como podemos ser originais se a máxima da modernidade, como já dizia nosso bom e velho Chacrinha seria: nada se cria tudo se copia? É nesse contexto que a expertise de Tarantino se faz reconhecer, transformando o velho, o já utilizado, o clichê, em algo novo que nos surpreende e nos impacta.
Veja o trailer:
Newsletter:
© 2010-2025 Todos os direitos reservados - por Ideia74