Um dos gêneros mais populares do cinema mundial, a comédia, é também um dos mais criticados negativamente em se tratando de qualidade técnica. A popularidade que o humor assumiu nos pouco mais de cem anos de existência da sétima arte caminha em via inversamente proporcional ao preciosismo fílmico. Críticos e especialistas em cinema negam qualquer tipo de afinidade com a comédia, talvez por vergonha de admitirem que assistam, mas o fato é que, em momentos de lazer, a comédia é a melhor saída para quem quer descontrair sem dispender grandes acessos de raciocínio, e ainda dar boas risadas descompromissadas.
No Brasil, a tradição cômica na sétima arte, assim como a própria existência do cinema, é atrasada em relação aos Estados Unidos e à Europa. É apenas nas décadas de 30 e 40 que surgem os primeiros filmes taxados com a chancela do humor. Mesmo assim, em seu início, são apenas cópias das comédias de costume italianas, as chanchadas, nome trazido para o Brasil para cunhar as produções cômicas realizadas aqui do lado de baixo do Equador.
Os primeiros longas nacionais a tentarem a vez na comédia ainda eram da fase do cinema mudo. Essas produções, que tiveram uma vida curta devido ao advento da sonorização, criaram, no entanto, uma receita de roteiro que acompanhou o segmento até sua decadência, no meio dos anos 60: o casal de mocinho e mocinha que, ajudados por um coadjuvante cômico, têm de escapar da perseguição de um vilão. O humor das chanchadas era ingenuamente cômico, burlesco e essencialmente popular. As piadas faziam referências ao universo do espectador e tinham graça na medida em que eram assimiladas como parte hiperbolizada do cotidiano. Este modelo de enredo ainda ganhou dois complementos com o tempo: a inserção em roteiros musicais, influência direta de Hollywood, e o carnaval, tema recorrente nas chanchadas, que construiu uma identidade, diferenciando a comédia brasileira da italiana.
Os responsáveis pela carnavalização do cinema nacional foram os profissionais da Atlântica, empresa que encabeçou o lucro da produção brasileira durante muitos anos. Para isso, contavam com um elenco de peso, nomes que não apenas estrelaram os longas feitos pela produtora, mas que são lembrados até hoje como os grandes representantes da chanchada brasileira, como Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves e Carmen Miranda. Além do quarteto responsável pelos enredos urbanos do segmento, há o caipira Mazzaropi, que levou milhões de espectadores para a roça nas dezenas de filme que produziu, dirigiu e atuou, e os trapalhões Didi, Dedé, Mussum e Zacarias que, mesmo chegando após o fim da fase de ouro das chanchadas, resgataram a tradição do gênero e produziram várias das maiores bilheterias do cinema brasileiro.
A segunda fase do humor no cinema nacional surgiu no início da década de 70 na região paulistana conhecida como Boca do Lixo. Após as novas funções de engajamento social que o Cinema Novo exigiu da produção e do público brasileiros, pequenas produtoras enxergaram no erotismo conjugado à comédia a saída para a dificuldade financeira e uma forma de protesto contra a seriedade requerida por Glauber Rocha e seus discípulos. Sem orçamento, sem bons roteiros e muito menos um elenco eficiente, surgiu a pornochanchada, uma mistura da comédia de costumes pregada pela extinta chanchada e do Soft Sex.
Diante da atual conjuntura política, na qual o regime militar pintava e bordava na censura contra qualquer tipo de manifestação artística, a pornochanchada ao mesmo tempo servia de válvula de escape para fugir das preocupações políticas e divertimento para as classes B e C. Não havia preocupações do governo quanto ao conteúdo, até porque o que menos se pretendia ao escrever roteiros para o segmento era afrontar o a situação política vigente. A popularidade da pornochanchada foi tão grande que o segmento durou por quase quinze anos, mesmo diante da limitação de temas, e se esgotou apenas no meio dos anos 80, com o surgimento dos filmes de sexo explícito.
Depois de uma fase nebulosa para a qualidade e para a identidade do cinema nacional, em 1992 o governo resolveu investir na sétima arte e criou a Lei do Audiovisual, incentivo fiscal que deu fôlego à produção. O humor, no entanto, só voltou com força ao cenário cinematográfico após a criação da Globo Filmes, em 1998. O poder financeiro das Organizações Globo contribuiu para o inicio da produção de longas tecnicamente muito bons. Apesar dos roteiros ainda hoje serem pasteurizados, ou seja, engessados em um modelo politicamente correto e, por isso, limitados, estas produções foram o gás necessário para que filmes independentes e de um preciosismo altíssimo vencessem as limitações impostas por uma sociedade que não valoriza a cultura e chegassem ao grande público, ainda que de forma tímida. O humor do cinema brasileiro atualmente não traz a ingenuidade e a falta de compromisso ético que a chanchada trazia (como piadas de inferiorização das minorias e risos gratuitos), nem a comédia escrachada da pornochanchada, mas levita entre um humor requintado, inteligente e que exige um raciocínio de seu espectador. Não é um humor barato, gratuito; é um humor de conteúdo, um humor edificante.
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