Terceira e última parte da trilogia:
Lucinda e Reginaldo
Certo casal que se isolou durante a pandemia, só comeram por delivery, tanto refeições quanto as compras de mercado, farmácia ou qualquer outro tipo de entrega.
Trabalharam somente remotamente, se isolaram numa casa em bairro distante, quase um sítio, porém com wi-fi, imprescindível.
Jamais saíram, recusaram todas as festinhas e desenvolveram novos hábitos para aproveitarem a harmonia do lar, doce lar!
Porém num belo dia um locutor anuncia numa rádio qualquer, extasiado de felicidade:
Em 05 de maio de 2023 – A OMS declarou o fim da pandemia de Covid 19 – logicamente um fim simbólico, não é a extinção do vírus, e sim a grande queda no número de casos no mundo deixando de ser uma pandemia. Mas muitos hábitos ficarão para muitos e nunca vão deixar de existirem.
O casal está estático e inexpressivo no meio da sala, existe uma certa distância entre eles.
Lucinda – Você ouviu isso, amor meu?
Reginaldo – Ouvi, sim?
Lucinda– Deve ser fake news…
Reginaldo – Não acho, já estavam falando disso!
Lucinda – Eu não tô a fim de ver gente!
Reginaldo – Nem eu, gente grossa, mal educada, atendimento ruim. Gente bêbada.
Lucinda – Gente fútil e vazia. Eu acostumei a ficar em casa.
Reginaldo – Faz quantos anos mesmo que tudo começou?
Lucinda– Décadas! Nem sei, importa?
Reginaldo – Não, agora eu amo ficar em casa.
Lucinda– Criei raízes! Adoro delivery!
Reginaldo – Amo streaming! Me sinto parte da mobília!
Lucinda – Eu também, sabe querido… querido… lembra da Tia Cotinha costureira, sempre de vestido florido que se integrou a cortina florida também?
Reginaldo – Hum, sei, e o Tio Evaristo sempre de pijama vinho que se encrustou no sofá bordô…
Lucinda – Mas… amor, qual seu nome mesmo? A gente está sempre tão junto que nem preciso te chamar mais…
Reginaldo – Faz tanto tempo… amor…
Lucinda – Tanto tempo…
Reginaldo – Como esqueceu?! Eu sou o Rê… – O Re-lógio carrilhão, de chão, esqueceu querida? E você… é a…
Lucinda – Como pôde esquecer, eu sou a Lu…! A Lu-minária de Design importada! (indignada) Homens!
Reginaldo (chateado reage movimentando os braços como ponteiros e esbravejando) – Ding! Dong!
Lucinda – (exibida, reluzente, acesa) -Eu sempre nasci pra brilhar…
Reginaldo – Amor… tô preocupado… parece que você tá quente…
Créditos da Imagem: “A persistência da memória” é uma obra de 1931 pintada pelo surrealista Salvador Dalí, possui dimensões de 24 x 33 cm e foi produzido com a técnica de óleo sobre tela.
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