Blog do Chef Mané

Crônica da Cozinha: Os calcanhares de Maria

por Manuel Alves Filho
Publicado em 4 de janeiro de 2018

Quando meu avô materno, de nome Gaudêncio, morreu, minha avó, batizada Maria, foi morar em casa. Para manter a privacidade dela, foi construída uma casa nos fundos do terreno. Embora contasse com fogão a gás, minha avó fez questão de que fosse construído um fogão a lenha na área externa da edificação, no qual ela preparava todas as refeições. Tenho uma recordação muito viva dela cozinhando naquele cantinho e do aroma de madeira queimada que defumava o quintal.

Um prato da lavra de dona Maria que me traz muita saudade tinha um nome, digamos, gracioso: calcanhar de velha. Era uma espécie de bolinho de chuva, mas de feitura diferente daquela tradicional. A massa não era pastosa, “pingada” com a ajuda de uma colher no óleo quente. Ela se parecia mais com uma massa de pão, que era leve e delicadamente sovada.

Depois de trabalhada, a massa era deixada em repouso e, na sequência, porcionada em pequenas esferas. Estas eram formatadas pelas mãos da experiente cozinheira, que lhes dava desenhos irregulares. Em seguida, os bolinhos eram fritos em óleo e recebiam uma derradeira garoa de canela em pó e açúcar de confeiteiro. Minha avó servia os calcanhares de velha com café passado no coador de pano.

O sabor da guloseima ficava incrível, certamente potencializado pelo uso da panela de ferro para a fritura, na qual o óleo chegava a cantar de tão quente, e também pela fumaça emitida pelo fogão. Ah, que delícia aqueles bolinhos docinhos e de textura firme que alegraram muitas das minhas tardes chuvosas. Infelizmente, nos dias que correm a chuva vem acompanhada apenas pelo vento forte da lembrança.

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