Minha mais remota memória olfativa remonta à época do ensino fundamental, então chamado de “ensino primário”, quando tinha que acordar muito cedo para ir à escola. A experiência de pular às 6h da cama era docemente atenuada pelos aromas que exalavam da cozinha, onde o velho Neco, meu pai, Manuel como eu, preparava o café da manhã. Homem criado no campo, o desjejum dele não dava bola à ortodoxia.
Meu pai não era exatamente um sujeito comilão, mas também não era dado a sutilezas gastronômicas. A primeira refeição do dia tinha que oferecer muita sustância, asseverava. “Quando eu trabalhava na roça, nosso café da manhã, ingerido por volta das 5h, era composto por arroz, feijão, carne e ovo. Nós levávamos esses mesmos elementos na marmita, que esvaziávamos por volta das 11h. Às 16h, deixávamos a lida e, às 18h, já estávamos jantando. O encontro com a cama não passava das 20h”, relatava, para justificar o costume.
Invariavelmente, eu era acordado pelo barulho das panelas que Neco manuseava com desenvoltura. Na sequência, surgia a mescla de odores proporcionados pelo café passado pelo coador de pano e pelos ovos mexidos preparados na frigideira. Era impossível continuar deitado. Aquele café da manhã, acompanhado do papo de meu pai, sempre muito animado, era o prenúncio de um grande dia. Dia que se tornava ainda mais especial quando ele resolvia servir o repasto cantando alguns clássicos da música caipira, como Índia e Chico Mineiro. Ô sodade!
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