Uma amiga publicou em seu perfil do Facebook uma cartinha (”cartinha” porque pequena) endereçada a Deus., tocando em um assunto da sua vida. Na hora que vi e li essa carta senti coisas, e sentei e escrevi, no próprio perfil, um comentário à carta, que se configurou como uma mensagem à minha querida amiga e também a mim mesmo, necessitado que eu sou, também, necessitado da mesma coisa que ela pede ao seu querido Deus. – e meu.
Resolvi republicar aqui a cartinha que ela escreveu, e também o meu “pequeno” comentário. Espero que seja de alguma serventia à reflexão.
“Prezado Deus,
Já se passaram 26 anos e o roteiro com as cenas dos próximos capítulos ainda não chegou, estou aguardando.
Atenciosamente,
A.V.”
Querida A.V.
Tua cartinha me tocou e inspirou. Vou te dizer algumas coisas que sinto do que você colocou e disso tudo…
O prezado Deus é inteligente: ele não fica com trabalho que não é dele, principalmente o que requer a criatividade e a dedicação do ator ou atriz dessa tragicomédia romântica e idealizada em que estamos.
Nesse teatro da vida, o processo dramático de criação dessa peça é o de uma criação coletiva. Ele, o prezado Deus, oferece o tema – Evolução, e oferece todos os demais recursos pra que esse trabalho se desenvolva: o teatro, o palco, o cenário, o figurino, o sistema sonoro, o sistema de iluminação…
E oferece, ainda, a inspiração, a criatividade, a inteligência, a memória, a fala e demais recursos que o ator necessita pra criar e desenvolver seu personagem e desempenhar o seu papel. Isso tudo implicando em descobrir, conhecer e reconhecer.
Ele próprio, o prezado Deus, é dotado de todos esses recursos, amplificados ao infinito, e sabe muito bem o papel que temos condição de desempenhar.
Nesse drama da vida, esse grande épico humano, às vezes somos protagonistas e às vezes somos coadjuvantes. Isso acontece de acordo com a nossa capacidade de captar o tema, desenvolvê-lo e memorizá-lo, elaborando, impregnando e interpretando nosso personagem com nossa autenticidade, traduzindo o que nos faz sentido com os recursos de Ator – o agente, o atuante, que delicadamente desenvolvemos.
Aí, no palco da vida, descobriremos as marcações de nossa entrada em cena, quais são as nossas falas e as emoções e sentimentos que devemos expressar, contracenando com os demais atores na elaboração e narrativa de uma história que faça sentido.
E haverá, ainda no próprio palco, os momentos de ficar em silêncio, discreto ou eloquente, pra que qualquer outro ator cumpra a sua fala e o seu papel nesse todo em que fazemos parte.
E, mais ainda, haverá os momentos de ficarmos nos bastidores, aproveitando pra elaborar e desenvolver o nosso papel nessa história que, tal como numa grande novela, não se sabe o final previamente – que será estabelecido conforme o andamento de cada capítulo criado coletivamente, e cada papel criado individualmente.
Assim, podemos ser meros coadjuvantes no desenrolar do drama, dessa criação coletiva… – mas, sempre, protagonistas de nosso próprio papel.
É importante lembrar, também, que o público não importa e não deve importar perante o papel que resolvemos desempenhar em nossa vida. Nós é que sabemos o personagem que podemos ser.
Ele tem o seu próprio lugar, que é um lugar distanciado do palco, da cena, do nosso papel – eis que nós próprios o criamos… – se mantendo na penumbra de silêncio e de observação que, se bem cumprido, se bem acompanhando o desenvolvimento da peça, poderá vir a ser convidado a participar de uma ou outra cena, contribuindo ao alcance do ápice dramático que se busca mas, de forma alguma, interferindo em seu próprio papel, A.V.
E o prezado Deus, o grande demiurgo, certamente estará – plena e infinitamente, também, desempenhando o seu papel, além de todos os olhares e de todas as questões: o de diretor desse grande espetáculo, extraindo de cada ator o melhor que ele tem pra dar.
Como lidar com tudo isso? Psicanálise, terapia, autoconhecimento – algo assim.
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VAGNER COUTO, psicanalista, realiza seu trabalho terapêutico tendo por base uma profunda escuta empática. Não ortodoxo ou sectário, tem um olhar pluralista em sua prática clínica. Assessor acadêmico do CEFAS, Escola de Psicanálise, já criou e coordenou a realização de mais de 100 eventos psicanalíticos e de saúde mental junto às principais instituições destas áreas no país, tendo trabalhado com pessoas como José Ângelo Gaiarsa, Marta Suplicy, Rubem Alves, Paulo Gaudêncio, Vera Lamanno e Roosevelt Cassorla. Tem profunda vivência em práticas holísticas de saúde mental em instituições como Brahma Kumaris, Fundação Peirópolis e Laboratório de Práticas Dialógicas. Tem 27 anos de experiência como conselheiro em instituição dedicada ao autoconhecimento, à expansão da consciência e à espiritualidade. É autor dos livros “Admirável momento novo” e “A estrela da manhã”. Jardineiro e poeta, ama plantar pessoas e cuidar delas.
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