Ainda é cedo para apostar num novo ciclo de ascensão para o vinho brasileiro. Afinal, mal sabemos a que altura estamos na travessia da pandemia e como chegaremos ao outro lado da crise. Mas, sim, já temos motivos para erguer as taças. Em pleno isolamento social, o vinho brasileiro virou protagonista do tal “novo normal” que está se desenhando no decorrer deste ano tão singular.
Isolamento social faz consumidor descobrir os prazeres do vinho. Foto: Banco de Imagem
Não é só torcida. Recentemente, o Brasil foi premiado com duas safras – 2018 e 2020 – consideradas históricas e merecidamente festejadas por oferecer aos apreciadores todos os estilos da bebida (inclusive de guarda). Isso vem confirmar o que é a cada dia mais claro: a produção nacional de vinhos de qualidade vai além dos já consagrados espumantes. Na ponta do lápis, o que se soma é animador.
Se, por um lado, o coronavírus fechou (temporariamente ou definitivamente) restaurantes, bares e lojas, sufocando um braço importante desse mercado, por outro, no interior dos lares, o vinho comparece com consistência a ponto de ostentar o título de “bebida do confinamento”. O consumo subiu 10,9% no primeiro semestre de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019, segundo a Ideal Consulting, agência especializada em pesquisa de mercado do setor. Um olhar mais focado ao produto nacional justifica o pensamento positivo. Dólar alto, fronteiras fechadas entre países e turismo suspenso no mundo inteiro contribuíram para colocar o vinho nacional no colo dos brasileiros.
De acordo com dados do Cadastro Vinícola da Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura) mantido em parceria com Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e Secretaria de Agricultura do RS, nos quatro primeiros meses deste ano o consumo do produto verde-amarelo cresceu 39% (4,4 milhões de litros de vinho fino), enquanto o importado, embora sempre predominante nas vendas, aumentou 7% (30,6 milhões de litros). Para aproveitar a maré alta, o e-commerce, ou vendas on-line, aprimorou seus os serviços e está injetando oxigênio puro ao segmento. Lojas virtuais desfrutam dessa “janela de oportunidade” com promoções, vendas de kits temáticos, brindes e descontos vantajosos para compras.
Consumo da bebida cresceu 10,9% no Brasil. Foto: Banco de Imagem
E é justamente no universo virtual que o vinho brasileiro vem experimentando uma visibilidade inédita. Lives, degustações a distância, podcasts, conferências e perfis em redes sociais pipocam na internet aproximando enófilos iniciados e iniciantes de produtores, enólogos, especialistas e formadores de opinião. Sem a barreira da língua e com a vantagem da comunicação segmentada para potenciais consumidores, o País é uma das grandes pautas dos canais virtuais e está disponível a um clique do smartphone.
Campinas, que prima por apresentar um calendário de eventos presenciais dos mais completos, também fincou sua bandeira no novo terreno. Com duas grandes entidades de difusão da cultura do vinho, atuação dinâmica de produtores de conteúdo para enófilos e sommeliers de projeção nacional, a cidade se move com desenvoltura pelo mundo das relações em tela.
Que tudo isso é parte do “novo normal” parece verdadeiro. Se vai prevalecer quando o corona estiver sob controle, não se sabe. O consenso até aqui é que as ferramentas virtuais vieram para ficar, mas deverão perder a intensidade quando os encontros reais não mais representarem os riscos de hoje. Foi o que o blog ouviu de cinco personalidades do mundo do vinho atuantes na cidade. Passo a palavra:
CAMINHOS DO VINHO BRASILEIRO
“Na SBSomm (Sociedade Brasileira de Sommeliers), a maior parte das lives integra a série Caminhos do Vinho Brasileiro, que procura dar destaque a importantes aspectos da vitivinicultura nacional, em todas as principais regiões de produção. Por exemplo, a Parte 3 foi histórica ao trazer, pela primeira vez em uma live, Murillo de Albuquerque Regina, o criador dos vinhos finos de inverno brasileiros. Murillo apresentou novidades não só para os consumidores, mas também para estudiosos e produtores dessas regiões. Guilherme Grando, enólogo da Villaggio Grando, foi o protagonista da Parte 4, logo após o ciclone bomba destruir parte da sua vinícola em Santa Catarina. A série recebeu também Adriano Miolo e Flávio Pizzato. Aprendeu-se que há muita informação nova a compartilhar. Além das lives, estamos vendo os associados da SBSomm aproveitarem uma modalidade absolutamente inovadora de degustação, em que os vinhos são entregues nas casas, um restaurante parceiro oferece um prato (opcional) para harmonização e o produtor participa em apresentação vídeo-interativa dos vinhos e de seu terroir.” (Bruno Vianna, presidente da Sociedade Brasileira de Sommeliers – SBSomm)
“NEM TODOS VÃO PERDURAR”
“Eu acredito que as lives chegaram com toda a força, mas com o passar dos meses, naturalmente foram diminuindo, parte por conta da saturação natural previsível em qualquer modalidade de eventos virtuais, parte por conta dos temas que vão se esgotando; e até por apresentar conteúdos fracos, espantando a audiência. Mas acredito que esse formato deva perdurar, bem menos frequente do que temos hoje, porém mais qualificado. Como ocorre com qualquer mídia nova e gratuita, muitos experimentaram as facilidades das lives para chegar ao seu público, mas nem todos vão permanecer. As importadoras de vinho, por exemplo, que colocaram seus funcionários para entrevistar enólogos dos seus portifólios, provavelmente vão parar. Esses profissionais devem voltar às suas atividades normais, pois não são videomakers. Quanto ao vinho brasileiro, já conversei com representantes da Cooperativa Aurora, das vinícolas Don Giovanni, Cárdenas e Casa Valduga. Ao todo foram mais de 60 convidados.” (Daniel Perches, criador de conteúdo digital da Vinhos de Corte, e produtor da feira de vinhos itinerante Encontro de Vinhos)
MERCADO NOVO E SUSTENTÁVEL
“Eu vejo esse movimento como algo positivo, que aproxima com mais facilidade o consumidor e os profissionais. Veio pra ficar, embora seja inevitável que haja uma diminuição de eventos a médio e a longo prazo. Espera-se que o público volte a buscar os programas presenciais, conforme se restabeleça a liberdade de movimentação. Não acredito que é algo passageiro, pois já está claro que os formatos virtuais funcionam, que é possível fazer coisas bacanas, com interatividade, em que todos curtem e se divertem. São eficientes, práticos e, no final das contas, mais baratos. Penso que é, sim, um mercado novo e sustentável. Para citar a minha experiência, tenho recebido muitos pedidos de cotação para fazer eventos, tanto virtuais como presenciais. É um sinal de que esse segmento do mercado está aquecido. Inclusive, tenho recebido pedidos de cotação para o primeiro semestre 2021, o que demonstra que os promoters estão prevendo um período longo para essa modalidade de comunicação.” (Diego Arrebola, três vezes eleito o Melhor Sommelier do Brasil)
VINHO É AMIGOS, REUNIÃO
“Eu acredito que os eventos on-line vieram para ficar, mas terá sua intensidade diminuída lá na frente. Penso que as duas modalidades, presencial e virtual, vão conviver num sistema hibrido de contato com o público, lembrando que ficar bebendo vinho em casa sozinho não é bem o espírito da coisa. Vinho é amigos, reunião e isso sempre irá prevalecer. Nós, da ABS-Campinas (Associação Brasileira de Sommeliers – Seção Campinas), entrevistamos o Luís Henrique Zanini, da Vallontano e Era dos Ventos; Juliano Carraro, da Lidio Carraro; Edegar Scortegagna, da Luiz Argenta; Bruno Motta, da Dom Laurindo, entre outros. Já destacamos em lives os vinhos de São Paulo e Minas Gerais, que estão em franca ascensão, representando um mundo novo de enoturismo a ser descoberto e aprimorado. A audiência dessas lives é sempre boa, com a participação de enófilos, estudiosos e alunos em busca de aprendizagem. Isso cria oportunidade para um aumento do consumo de vinhos nacionais, tamanha a visibilidade que passam a ter. (Eduardo Sartori, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers – ABS-Campinas).
DESFILE DE ENÓLOGOS NO CORUJÃO
“No perfil O EnólOgro, do Instagram, as noites de quinta-feira são dedicadas a um desfile de enólogos brasileiros, principais protagonistas das lives batizadas de O Corujão, transmitidas às 22 horas. Já passaram por lá Janaína Massarotto, da vinícola Marzarotto, de Flores da Cunha; Michelle Sani Borella, diretora da vinícola Helios, de Monte Belo do Sul; Vinícius Cercato, enólogo da Dunamis, em Dom Pedrito; Felipe Bebber, enólogo da vinícola Família Bebber, de Flores da Cunha; Edegar Scortegagna, enólogo da Luiz Argenta, de Flores da Cunha; Daniel Salvatore, presidente da Associação Brasileira de Enologia e enólogo da Vinícola Salvatore. Além desses, já recebi no Corujão, o produtor José Procópio Stella, da Stella Valentino, representante do terroir mineiro, em duas degustações em que apresentamos os vinhos Syrah 2018 e Tempranillo 2017”. (Emerson Rodrigo Greggio, produtor dos eventos Vinho no Trem, Vitis Mundi e Brasil na Taça)
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