CineCultura

Beira-mar: juventude à deriva

por Luiz Andreghetto
Publicado em 19 de novembro de 2015

“(…) A ingenuidade física amargamente domada…”

Arthur Rimbaud (Iluminações)

 

Beira-mar (2015), dos gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, é um filme terno, onde o ócio adolescente é elevado a sua potência máxima. O dolce far niente de dois amigos que viajam no inverno para a praia, nos imbui desse prazer dos pequenos gestos, do caminhar sem um destino certo, de um tempo que parece não ter pressa para que algo aconteça e que nos deixa a sensação de que nunca vai terminar. Talvez seja esse o grande protagonista de Beira-mar: o tempo da adolescência, o momento no qual somos novos demais para algumas coisas e velhos demais para tantas outras. É um tempo que parece eterno, onde o futuro parece algo tão distante quanto à infância recém-abandonada. Temos aqui uma pequena narrativa repleta de momentos banais e ao mesmo tempo singelos, como se esses momentos tão simples e tão únicos, nunca mais fossem acontecer (como realmente não acontecerão) e eles precisam fazer com que cada olhar, cada nova sensação, cada segundo juntos sejam dilatados até que seu término se torne quase imperceptível.

Num olhar apressado e superficial, Beira-Mar passa-nos a impressão de ser extremamente formalista, pois as questões estéticas (câmera grudada nos atores, movimentos fugidios, imagens desfocadas, etc) parecem querer sobrepujar as questões narrativas. Ledo engano para aqueles que não se deixarem contaminar pela atmosfera de silêncio criada pelos dois jovens diretores (estreantes na direção de longa-metragem).

A proposta dessa mise-en-scene mostra-se satisfatória principalmente pela escolha dos atores certos para cada personagem (Mateus Almada e Maurício José Barcellos), jovens como seus protagonistas, conseguem mesclar naturalidade e carisma em doses exatas para que o filme reforce essa sensação de uma juventude que pouco fala de suas questões emocionais/sexuais, preferindo guardá-las e refleti-las através dos pequenos prazeres de um tempo que parece congelado em dias onde nada acontece. A poesia da cena final, que nos remete ao jovem protagonista de Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut, é certeira ao apresentar Martin caminhando ao encontro do mar. O dia nublado, as fortes ondas, o vento frio, fazem um contraponto ao enfrentamento que Martin propicia através da conquista de uma liberdade até então adormecida. Ao mergulhar, Martin deixa de lado amarras que até então o prendia em terra firme e opta pela liberdade do ir e vir das ondas do mar, mesmo que essa liberdade possa vir acompanhada das dores tão inerentes ao amadurecimento de qualquer adolescente.

Mas, torna-se paradoxal, que essa aposta em uma narrativa lenta e quase silenciosa, com poucos diálogos que não conseguem dar conta de todo os sentimentos/desejos/frustrações desses adolescentes, tenha sua melhor cena justamente quando esse diálogo aflora de uma forma tão espontânea. É uma cena curta que justifica a feitura do filme e que demonstra o enorme potencial da dupla de atores e da dupla de realizadores. Com isso nos fica uma pergunta: será que o excesso de silêncio que acompanha o filme, desde o seu início, possa ter nos privado de outras belas cenas como essa, preferindo uma menor complexidade nas relações em prol de uma estética mais apurada? Sem chegar a uma resposta satisfatória, no final de tudo ficamos com a sensação que poderíamos saber um pouco mais sobre Tomaz e Martin e os percalços dessa relação de afeto em meio a distrações tão passageiras.

 

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