Uma vida passa por muitos lugares, nunca fica somente em um, há alguns casos que sim, nasce, vive e morre numa mesma casa. A protagonista desta crônica nasceu no centro de Campinas, mas depois viveu a maior parte de sua vida no Jd. Garcia.
Maria Isabel, desde pequena era chamada carinhosamente de Belinha, era a irmã mais velha de cinco irmãos, sem contar dois que faleceram ainda bebês, as crianças nasciam em casa naquela época e não se tinha muita informação, outros tempos.
Belinha nasceu numa casa próxima ao famoso Mercadão de Campinas e com o passar dos anos, morou próximo ao atual Centro de Convivência que naquela época não existia, depois na avenida Anchieta, que antigamente era povoada por casas residenciais que soterraram-se com a modernidade, sendo ocupadas pelo comércio de hoje, e assim Belinha se acostumou a se mudar muito de casas, uma nômade.
Desde pequena em 1.900 e… guaraná com rolha, Belinha já dava trabalho, geniosa, brigava com os irmãos, brigava com a mãe, ficou ainda mais revoltada com a morte do pai, e passou a brigar mais ainda. Ela era a típica que briga com a mãe por causa de “mistura” como se diz, aquela que não se fez agradar com o humilde menu do dia.
Apesar de tudo era muito esforçada e começou a trabalhar muito cedo, ainda bem jovem para ajudar a família a sair da pobreza e logo os irmãos a seguiram. Não só pela comida, Belinha brigava pelos vestidos que a mãe costurava, ela também brigava, não se sabe se era ciúmes da mais nova, se era certa inconformação com a ingrata vida sem recursos.
Certo dia, Belinha apresentou um futuro marido, ninguém tentou impedir, ninguém ousaria, não se sabe muito desta história, mas ela sempre revoltada com a família e tais condições se casou e sumiu do vinculo familiar. Anos depois todos os irmãos se casaram como que numa comédia clássica, e ela isoladamente procurava dois dos irmãos com que se dava melhor para conversar as vezes.
Até hoje não se sabe ao certo porque desaparecia, os filhos dos irmãos de Belinha nasceram e cresceram e desconheciam a tal Tia belinha, com fama de geniosa, ninguém sabia explicar muito o porquê.
A mãe inconformada não se manifestava sobre o assunto, sofria quieta com a ingratidão da filha mais velha, Belinha no decorrer do tempo se separou, nenhum marido suportaria aquela mulher revoltada, amargurada e de língua ferina. Da união tiveram uma filha que se tornou a mais velha de todos os sobrinhos.
Com a filha crescida, foi morar junto com o genro e os netos que vieram, também não se dava bem com o genro que enchia a cara para se aliviar do peso da megera e de suas palavras causticas. Várias vezes ela deixava a casa da filha para ir morar sozinha, mas depois de uns paninhos quentes ou frios, ela voltava, era conveniente, da única filha tinha três netos e era uma excelente avó, então se tornava necessária para a família.
Depois de sair do centro viveu em casas de aluguel no Jd. Garcia. Diversas, em apartamentos também, uns maiores e uns menores, as vezes amplos quintais, pequenos jardins. Sempre por ali na região da John Boyd Dunlop, bem próximo ao atual supermercado Enxuto.
Foi assim do nada, que Belinha reapareceu, fez as pazes com a mãe e a nova safra da família conheceu todos que a cercavam, genro, netos, etc. Esta vez não foi a primeira que ela voltou, sem se saber o que acontecia ela se magoava com algo, ou não, e desaparecia novamente por anos e todos os seus a seguiam em ausência.
Depois de muito tempo distante do centro, longe da família, não se sabe por que nunca investiu numa casa própria, era concursada e bem sucedida, mesmo assim já haviam passado por dezenas de endereços no Jd. Garcia. Morou na Rua Manuel Pinheiro, Rua Teixeira Vasconcelos, Rua Marechal Hermes, Praça Raul Garcia, Rua Jorge Whitemann, Rua Cinco de Fevereiro… etc… etc… etc…
Chegou a tal ponto de não visitar a mãe que ficou enferma por mais de um ano numa cama já aos oitenta anos, não visitou a cunhada com quem tinha tido muito contato certa época, e a filha parecia ser cúmplice de todas as suas loucuras em silêncio.
Nunca se entendeu o que acontecia com Belinha que nunca mais namorou e a maioria não conheceu seu ex-marido que não habitava nem mesmo as fotos do álbum de família.
Maria Isabel se aposentou e ninguém mais a viu, algum conhecido contou que a encontrou na Av. Francisco Glicério exibindo-se porque ia fazer uma grande viagem internacional comemorando a aposentadoria, provavelmente sozinha, pois Maria Isabel não tinha amigas.
Muito tempo depois soube-se que Belinha já com os netos adultos, partiu desta para melhor, não se sabe com detalhes, algumas dores haviam se manifestado nela e ela não havia conseguido mais manter o silêncio. Foi onde sua filha descobriu após ela confessar que convivia com um câncer que a habitava por mais de dez anos, do qual NÃO quis se tratar e ficou calada pelo tempo. Em momento fatal, era tarde demais e Belinha com as primeiras dores, por bem mais de dez anos depois, se deixou partir.
Há quem diga que Belinha quase destruiu o câncer, mas o neutralizou calado por muito tempo, talvez achando que seria mais forte que ele, tão geniosa há quem diga que ELA o venceria, ou de certa forma o venceu, ninguém soube de sua doença, muito menos de seu velório ou de seu enterro, mas até hoje é um grande mistério saber o motivo que a levou a querer ser com tanta veemência e ingratidão “A Ovelha Negra” da família.
“Qualquer semelhança com fatos ou pessoas campineiras reais, é mera coincidência, esta é uma história de ficção”.
Newsletter:
© 2010-2025 Todos os direitos reservados - por Ideia74