A protagonista desta crônica é a única que não tem rosto, uma mulher sem face, nas sombras, é a silhueta por trás da janela, a sombra sob o sol, o vulto atrás da cortina.
Alice se tornou para sua família um mito, talvez não para todos os práticos, mas para os curiosos ou românticos, uma personagem saída de “Rebeca, a mulher inesquecível” de Daphne Du Maurier. Uma mulher, um mistério.
Alice vivia no bairro do Jd. Chapadão com sua mãe e seu irmão, a origem de seu pai não se sabe. O Jardim Chapadão surgiu com as transformações trazidas pela crise cafeeira, a antiga Fazenda Chapadão deu lugar a novos loteamentos que, entre as décadas de 30 e 50, originaram os bairros do Chapadão
A mãe de nossa protagonista já era uma garçonete mal falada do Hotel Vitória na avenida Campos Sales no centro de Campinas, dizem as más e boas línguas.
Certo dia, Alice aceitou o pedido de casamento de um pretendente, o primeiro de tantos, este que não queria tirar só proveito de suas curvas e sim levá-la para o altar.
Não se sabe ao certo até que ponto Alice não era uma “boa moça”, numa época muito mais machista que nossos dias atuais, onde a mulher somente deve ter uma moral ilibada, época em que boa moça se casava virgem, mulher namoradeira recebia apelidos como vassourinha, vargem de rua, entre outros.
Alice foi para o altar com Alcebíades, e o irmão de Alice se cansou de avisar o cunhado, mas ele apaixonado se fez de rogado.
Alice deu a luz à duas meninas com pequena diferença de tempo, a mais velha com quatro anos, a mais nova com dois. Tempos depois, Alice foi surpreendida pela inesperada chegada do marido em momento não previsto. Alice estava na cama com seu amante.
O tal homem desconhecido fugiu, dizem que Alice foi humilhada, escorraçada, expulsa de casa diante das filhas. O flagrante se devia novamente ao cunhado obstinado, não se sabe ao certo por que tal obsessão em entregar a irmã. Provavelmente a teria avisado que em qualquer falha que a denunciaria ao marido. Mistério…
Alice era boa ou má, correta ou não? A filha mais nova de dois anos era pequena de mais para ser testemunha de adultério, já a mais velha de quatro anos sempre dormia, acharam garrafões vazios de cachaça escondidos no fundo do quintal, reza a lenda que Alice servia em colheres, doses de cachaça para a mais velha não ver nada e nada comentar com o pai.
Após o flagrante, Alice sempre tentava na rua, encontrar as filhas que passeavam com o avô, homem compreensivo, mas alguém dedurou e o marido traído proibiu o pai de passear com as netas, Alice nunca mais apareceu.
Os netos e netas de Alice, no Jd. Chapadão cresceram ouvindo esta lenda, ouvindo o avô dizer que a avó não prestava, nada comum e doce para crianças saberem de uma avó.
O ego do marido traído fez com que este nunca mais se casasse, porem não o impediu de manter suas fotos, retratos cortados em preto e branco. Uma mulher de ancas largas, seios bem fartos, o padrão de beleza da época. Diziam que era muito bonita. Não se sabe.
Assim os netos cresceram com o mistério do rosto de Alice, a avó desconhecida, uma mulher que traía na década de 1930 e um homem traído em 1930.
Uma mulher à frente de seu tempo? Não se sabe… Alice nunca mais procurou as filhas, dos parentes que ela tinha, ninguém se aproximou para não magoar o patriarca traído.
As únicas provas eram as opiniões dos que conviveram, presenciaram, todos os retratos que não eram tão comuns na época, foram banidos, cortados.
Um retrato revela…
Alice, ao lado do marido vaidoso e imponente, ela carrega uma das bebês próxima ao farto seio num vestido escuro, não se sabe se sorria, se estava feliz ou se fingia, Alice uma mulher sem cabeça.
(Qualquer semlhança com fatos ou campineiras reais é mera coincidência, esta é uma obra de ficção).
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