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As Campineiras: “A Contadora da Chácara da Barra”

por César Póvero
Publicado em 15 de abril de 2020

Nossa protagonista não morou sempre neste bairro, essa mudança se deu bem depois, quase no final desta crônica, então vamos voltar lá para o começo quando Angelita nasceu, em outro bairro de Campinas, em outro endereço, seus pais se mudaram de Itapira para cá e foi assim que tudo começou…

Angelita de anjo não tinha nada, somente seus acesos olhos azuis sempre acompanhados de uma covinha malandra quando sorria, geminiana legítima, muito comunicativa e que queria estar em todos os lugares ao mesmo tempo achando que era duas e não uma só.

Sendo assim, era o desgosto dos professores, nossa protagonista nunca estava em sua carteira escolar, nunca estava de boca fechada. O diretor da escola era vizinho e reportava tudo para seus pais.

Ainda novinha, Angelita viu sua mãe falecer, ficou bem triste e quietinha por alguns dias, mas não demorou muito até voltar ao que era, nem seus irmãos, todos homens eram assim. Um tempo depois seu pai cansado de ficar sozinho se casou de novo, Angelita era uma filha adorável, o único problema era esse, não parar quieta em lugar nenhum.

Angelita até que parava quieta diante da magia do cinema que sempre amou, se imaginava atuando nas telonas, naqueles personagens de heroínas agitadas.

Quando teria que terminar o antigo ginásio e ir para o colegial, repetiu de ano devido seu mau comportamento, então seu pai a colocou para estudar a noite e trabalhar de dia e assim Angelita foi fazer parte da Guardinha.

O sinônimo de ser bem sucedida na época era estar atrás de uma mesa de escritório ou um Banco, então aproveitou para se empenhar nos números, e em informática, não que gostasse, apenas pensando nos futuros lucros.

Acabou por impulso fazendo faculdade de Ciências Contábeis, pensando no bom emprego e assim cresceu na empresa. Mesmo levando bronca por que não parava em sua mesa, conseguiu fazer bem seu serviço, acabou trabalhando em São Paulo, onde morou e viveu uma história de amor, também trabalhou no Nordeste, onde morou e também viveu com um rapaz, mas ainda não era aquela história de amor que ela via nos filmes e tanto queria contar.

Sempre indo ao cinema ou assistindo as novelas pensava que era aquilo que ela queria fazer, não necessariamente ser famosa, queria atuar, fazer teatro, contar histórias. Mas sempre que achava que ia arrumar um tempo para o curso de Iniciação Teatral, o tempo fugia de suas mãos e batia as asinhas e seu sonho era postergado.

Seu pai também faleceu, e “ela” acabou voltando para Campinas para rever a família, seus irmãos, filhos de sua mãe e os que ganhou de sua madrasta, gostava muito de todos e resolveu ficar em Campinas, voltar para o eixo do ninho.

Arrumou um emprego de contadora em uma empresa, fazia seu serviço muito bem feito e passeava e conversava pela empresa também, lógico, mas se sentia cada vez mais infeliz. Agora, solteira novamente entro num tal aplicativo de encontros no celular. Não suportou muitos dias e decidiu sair, a abordagem dos homens não lhe agradava, mas recebeu um “Olá” de um grandão que fez a sua cabeça e marcaram um encontro num bar no Cambuí.

Angelita ficou muito assustada, pois todos os amigos dele estavam no bar para julgar a candidata, mas mal sabia ela o quanto o Grandão comentou que ela era linda, parecia um anjo.

O Grandão, aparentemente truculento, parecia o Fred Flintstone era na verdade um sensível ator e professor de artes e como todo artista, não era nada bom em números. O amado residia no bairro “Chácara da Barra” e logo ele a chamou para viverem juntos para ela não ficar dividida em dois lugares ao mesmo tempo.

Foi assim que Angelita começou a contar sua nova história, organizando as finanças do amado e ajudando a fazer cenários e etc. E quando foi ao teatro assistir uma comédia em que “ele” estava em cartaz, se deparou com o Grandão vestido de anjo, todo de azul com assinhas brancas.

Com o tempo, Angelita se iniciou na companhia de teatro do Anjão (marido) e agora conta histórias, não abandonou os números, já que viver de arte no Brasil é muito difícil, mas atua cada vez mais, inclusive fizeram peças juntos.

Agora Angelita faz vários trabalhos ao mesmo tempo e em vários lugares, números, cenas, contas, falas, faturas, contos, boletos, peças, impostos, histórias… para nunca mais parar de contar…

Era uma vez… Angelita, que de anjo não tinha nada, somente seus acesos olhos azuis, sempre acompanhados de uma covinha malandra quando sorria, geminiana legítima, muito comunicativa e que queria estar em todos os lugares ao mesmo tempo, achando que era duas e não uma só. Agora podia ser muito mais!!! 1,2,3, 4,5,6.7…

(Qualquer semelhança com alguma campineira real é mera coincidência, esta crônica é uma obra de ficção).

 

 

 

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