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Anna Karenina: “ensaios” de uma traição

por Hélio Costa Júnior
Publicado em 3 de abril de 2013

“Todas as famílias são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira”.
Tolstói

Uma aristocrata russa, Anna Karenina (Keira Knightley), apaixona-se pelo conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson) e se vê envolvida em um controverso caso extraconjugal, que colocará em risco sua posição na alta sociedade da época. Baseado no livro de Liev Tolstói, escrito em 1875/77, Joe Wright, o diretor, opta por uma adaptação muito próxima ao original, guardando as devidas ousadias na forma como vai contar essa história. Adepto em utilizar obras já consagradas da literatura no cinema fez uma das melhores versões de “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen, e uma excelente adaptação do livro de Ian McEwan, “Reparação”, que no Brasil ganhou o título de “Desejo e Reparação”.

Em Karenina, Wright vai um pouco além do texto de Tolstói ao ambientar sua história em um grande teatro. Escolhe essa encenação próxima ao teatral, radicalizando na elaboração dos cenários, mostrando os artifícios de sua construção e desconstrução, propondo à saga de Karenina um espetáculo à beira do operístico. O público é a sociedade da época, que assiste a vertiginosa queda moral de Karenina com dedo em riste, pronta para criticar sua “performance”. Uma sociedade na qual as pessoas/personagens usam máscaras, se escondem em uma interpretação/vida que não as satisfazem, mas com isso acabam sendo aceitas perante seus pares sociais, com todas as regras e convenções que se tem direito. Nada muito diferente da sociedade na qual vivemos, pronta para julgar e acusar quem ousa ser diferente.

Apesar dessas grandes obviedades metafóricas, é com essa escolha estética que o filme ganha relevância. Essa opção repleta de artificialidades, com uma encenação grandiloquente, sem comprometimento com o real, nos proporciona um imenso deleite visual. É perfeito como Wright coloca o que há de melhor nesses dois suportes, teatro e cinema, na construção de sua narrativa, em escolhas ousadas e milimetricamente ensaiadas. A cena da corrida de cavalos e a do baile é um ótimo exemplo de toda essa criatividade a serviço da história e de como a utilização de “efeitos” teatrais em uma decupagem cinematográfica pode se tornar mais do que um mero adereço.

Mas, o que seria o grande trunfo do filme, transformar a história em uma grande encenação teatral, acaba se tornando seu grande problema. Ao propor essa estética e esse deslocamento do realismo do texto de Tolstói para uma abordagem mais subjetiva e “encenada”, o texto perde a força, engolido por tamanho esplendor visual. Essa opção também acaba se revelando perigosa na interpretação dos atores, o artificialismo proposto por Wright nos deixa impávidos diante do drama de Karenina e Vronsky, falta paixão ao casal de protagonistas, em um romance que nunca fica muito crível à audiência, seja ela a do teatro onde se passa a história ou para nós, espectadores do século XXI.

Talvez a escolha dos atores também não tenha sido muito adequada. Keira Knightley, musa de Joe Wright e protagonista de seus dois longas anteriores (“Desejo e Reparação” e “Orgulho e Preconceito”) faz uma Karenina meio apática, reforçada pelo seu companheiro de elenco Aaron Taylor-Johnson, jovem demais para o personagem do conde Vronsky. Se salva nesse panorama a interpretação contida e no tom exato do sempre ótimo Jude Law, o marido traído que se recusa a aceitar a separação.

Mesmo com esses problemas, Anna Karenina é uma obra que sai um pouco do marasmo das adaptações literárias, que são servis demais ao texto que as precede, injetando uma dose de criatividade as grandes produções americanas, provando que teatro e cinema, quando bem realizados, pode sim ser um encontro que potencializa as construções audiovisuais.

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