Liquidificultura

Amores e Abismos

por César Póvero
Publicado em 17 de outubro de 2013

Amores e abismos são assim, cheios de altos e baixos, ora planaltos e planícies, muitas vezes áridos, em outros casos lamacentos, muitas vezes movediços. O certo seria sempre serem silvestres ou campestres, verdejantes, insaciáveis de maresia, frescor e brisa.

Nem sempre todos estes casos citados acima são amores, muitas vezes são obsessões, carências, baixa autoestima, falta de confiança, pessimismo ou desespero.

Com a velocidade do tempo e da tecnologia ganhamos a facilidade e a agilidade nos encontros e nos desfechos, a moral hoje mais folgada, ainda bem, permite que se junte os trapinhos e os separe rapidamente. Sim, as pessoas tornaram-se mais independentes financeiramente e de outras formas. Ainda há relações sofridas que sobrevivem da conveniência, ou insistência de um ou dois, ou em nome dos filhos, julgando isso como forma de melhor caminho.

Mas o que mais se acelerou, foi se encontrar alguém sem nunca ter visto antes. Nos meandros da informática, nos labirintos cibernéticos, entre fios estreitíssimos e cabos de fibra ótica, o mundo virtual pode sim lhe trazer o amor, a famosa e esperada alma gêmea. Será mesmo que ela existe? Será que em todas nossas vidas podemos encontrá-la? Será que não pode ser um irmão, uma melhor amiga, um tio, algo que independe de contato sexual ou paixão?

Procuramos, procuramos e vivemos estes amores cibernéticos, a versão modernizada do amor platônico do famoso Platão, ou somos todos um tanto “Cyrano de Bergerac” escondendo o vasto nariz sob os arbustos, ou lamentando-se a distância como a lendária Maria Alcoforado isolada em seu claustro voluntário em suas “Cartas portuguesas” chorando lacrimosas frases de um amor longínquo.

Muitas vezes eles são belos, e acredito que naquela época funcionavam muito bem, já que o amor vinha primeiro e o sexo depois, hoje as vezes fazemos o sexo antes de sabermos o nome, vivemos tempos de pressa, tudo tem que ser ágil e veloz.

Provavelmente estes amores durariam em eterna beleza por anos, pois as distâncias eram grandes demais, os meios de comunicação lentos demais, as casas e palácios amplos demais. Desta maneira os amores viviam gozando sua plenitude, eternos e etéreos.

Hoje degustamos e adquirimos tudo na hora, tanto o que está próximo ou à distancia, somos produtos de uma grande vitrine e nos inventamos e nos reinventamos nas redes sociais, blogs e midiazinhas mais ou menos importantes, nos celebrizamos para atrairmos o mundo virtual para o nosso mundinho terrestre particular.

Na maioria das vezes esses amores abismáticos, distantes, longínquos nunca deveriam se deslocar da tal posição inicial que era longe, muito longe, longe demais…

Talvez o amor de antigamente durava tanto devido isso, a dependência, a falta de opção, a falta de liberdade, a rígida moral, porém “ele” existia! Impossível ou quase, encantado, cinematográfico, trágico ou poético. Mas ele está nos grandes livros, textos e filmes clássicos ou remakes, nos mostrando também uma pureza que quase não existe mais. Ainda o vejo muitos no olhar das crianças pequenas, ainda não contaminadas pelo todo da fruteira o nos olhos do cão, principalmente os vira-latas.

O amor é assim, pode ser um abismo entre duas pessoas de continentes distintos, pode ser um abismo entre duas pessoas numa mesma cama. O importante é que ele sempre exista em sua vasta diversidade de cores e formas. Citando Milton Nascimento “Toda maneira de amor vale a pena”.

Será que nós, ditos seres humanos, criados em carne e ossos, veias e sangue, não estamos cada vez mais nos transformando em abismos móveis? Como arranha-céus cosmopolitas, transitando, feitos de cimento, vidro e ferro, tornando cada vez mais os amores distantes e nós em abismos de nós mesmos.

 

Créditos da imagem: Les Amants de René Magritte.

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