“Não há nada que esteja menos sob o nosso domínio que o coração, e, longe de podermos comandá-lo, somos forçados a obedecer-lhe.” Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
O diretor Terrence Malick é um caso atípico dentro do cinema americano, quiçá mundial. Vive recluso, não aparece nem para entrevistas e criou fama pela demora de lançamento entre um filme e outro. Entre 1973, ano da sua estreia na direção com “Terra de Ninguém”, até 2011, com o poético “A Árvore da vida”, se passaram 38 anos e apenas cinco filmes foram realizados. Por isso causa surpresa que, um ano após “A Árvore”, Malick entregue um filme novo. Malick não é um diretor ao qual se passa incólume, desde seu segundo filme, “Cinzas no Paraíso” (1978), sua obra é recheada de imagens contemplativas que beiram à epifania divina, em uma forte relação entre o homem, a natureza e o sagrado.
Em “Amor Pleno” (“To the Wonder”, 2012), sua nova obra, temos alguns personagens à deriva: uma mulher apaixonada que não compreende o fim de um relacionamento, um homem que percebe não amar mais a mulher que outrora era sua grande paixão e começa a se envolver com um antigo amor e um padre em questionamento de sua fé. Em duas horas de filme, vemos esses personagens à procura de respostas para suas indagações. Compartilhamos intimamente desses períodos de reflexão e, em determinado momento, também refletimos sobre nossas incertezas. Malick constrói sua narrativa na relação entre o amor divino e o amor terreno/carnal, nos mostra o quanto é mutável esse amor e como a incomunicabilidade acaba afetando os relacionamentos, sejam eles amorosos, sociais ou espirituais.
“Amor Pleno” prossegue com os mesmos artifícios vistos no anterior “A Árvore da Vida”, mas com menos escopo intelectual e filosófico: um filme extremamente autoral, com belíssimas imagens contemplativas, poucos diálogos e narração em off. Outra constante que aproxima esses dois filmes é a relação com o tempo imposta por Malick, ele desestabilizada a linearidade temporal, nos entrega fluxos de pensamentos, fragmentos de ações, em um constante ir-e-vir, como se estivemos imersos nos dilemas e nas dores desses protagonistas. Com isso, nos provoca e inquieta, deixando nossa percepção envolta em imagens onde a luz é a representação máxima do divino em contato com o humano. Cada imagem filmada serve para nos lembrar de que o divino pode sim ser encontrado no plano terreno, e ele está bem ao nosso lado, na natureza.
Nesse sentido, Malick compartilha da visão do filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778): a natureza é o estado primitivo, originário da humanidade, entendendo-a no sentido espiritual, como espontânea e livre contra todo o vínculo antinatural e toda a escravidão artificial. A natureza é a força suprema dessa narrativa, é ela a prova de que o divino está entre nós, de que Deus está presente nas pequenas coisas e nos pequenos gestos. A luz que brilha e cintila pela belíssima fotografia não nos deixa esquecer esta onipresença do sagrado. Malick não espera resposta em suas indagações, somos inseridos em sua obra como parte inerente dessa narrativa, contemplando uma natureza que clama nosso entendimento e nossa apreensão, pois a comunhão com essa natureza também é uma comunhão com o espiritual.
Um filme que, ao mesmo tempo em que é belíssimo, peca por certa frieza em sua condução e na falta de um maior aprofundamento do tema proposto, tornando-se pretensioso e pouco relevante dentro da filmografia do diretor, que possui os contundentes “Cinzas do Paraíso” e “A Árvore da Vida” como exemplos máximos do poder de sua criação. O excesso de planos da natureza, de imagens em contraluz, de pessoas que não se comunicam, apenas “pensam”, pode tornar-se tedioso em algumas passagens. Mas, com certeza, a pretensão e o tédio nunca foram tão belos no cinema!
Veja o trailer abaixo e confira em quais cinemas o filme está passando em Campinas
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