O Dia dos Namorados, em sua forma romântica de ser, inspira até o mais convicto dos solteiros. Um dia especial para reverenciar o amor, mesmo que seja o próprio, é uma oportunidade única para avaliar como andam os sentimentos dentro do peito e para medir o grau de apreço à própria vida.
No entanto, a data de hoje esconde uma verve mercenária que infelizmente ilude grande parte dos pombinhos apaixonados. Segundo dados do SPC – Serviço de Proteção ao Crédito, neste ano os brasileiros estão gastando em média R$75,00 com o presente para os amados. O dia dos namorados só perde em lucratividade para o Natal e o Dia das Mães.
A simples análise dos dados pode sugerir culpa do capitalismo, coerção do sistema, pressão da sociedade consumista e tantos outros argumentos políticos. Vou um pouco mais fundo no assunto e atribuo esta realidade à forma como vemos o amor e como nos relacionamos com ele nos dias de hoje.
É muito mais fácil encontrar um relacionamento hoje do que em qualquer época da história. Entretanto, a inconstância do “vem” determina, consequentemente, a instabilidade do “vai”, ou seja, há muita gente querendo se apaixonar, há muitos encontros sendo realizados, mas pouca concretude nisso tudo. Esta frivolidade toda é explicada por pífias desculpas, todas baseadas em julgamentos precipitados e conclusões, ou juízos de valor, inconclusos.
Já se começa errando na definição do que seja um relacionamento. Na busca por uma companhia, mesmo que má, já que hoje é inadmissível ficar só, constroem-se laços frágeis, quebradiços, prontos a se desmancharem na primeira estremecida. Com estes argumentos, não quero endeusar o passado em detrimento do presente, já que sempre existiram boas e más exceções, mas não consigo entender como um sentimento tão sublime e definido por artistas como a essência da vida pode ser comercializado nos dias atuais.
Verbos como comprar, vender e alimentar já fazem parte do repertório dos casais que querem manter um relacionamento aceso por mais um ano. Depois do 12 de junho, podem até voltar ao cotidiano da relação mal resolvida, mas estão reabastecidos pelos próximos 364 dias pelas mirabolantes surpresas de um único dia (que na verdade deveria se estender para o resto do ano). Roupas de marca, regalos tecnológicos, jantares caríssimos e os melhores motéis fazem parte do repertório preferido do suposto amor.
Será que o que realmente importa receber da pessoa amada neste e nos outros dias do ano se restringe ao bolso dela? Não é o que pensam Elsa e Fred, os protagonistas do filme homônimo produzido em 2005 na Argentina. Ela, interpretada por China Zorrilla, é uma senhora de 80 anos que passou a vida ganhando dinheiro com trambiques e não desperdiça um só minuto para reclamar da idade avançada. Ele, vivido por Manuel Alexandre, também está com 80 anos, mas já se cansou do que a vida lhe proporcionou. Viúvo, rabugento e hipocondríaco, confia apenas em seu cãozinho Bonaparte.
Depois de um encontro nada agradável entre os dois, que acabaram de se tornar vizinhos, Elsa começa a se apaixonar pelo turrão senhor, mas encontra obstáculos que dizem respeito às ilusões amorosas do passado dele. Fred acha um absurdo se permitir gostar de alguém a essa altura do campeonato. Aos poucos, os dois se rendem a um amor que extrapola os limites da idade, do conservadorismo, da pressão familiar, transformam a vida um do outro e vivem cada dia como se fosse o último (o que não deixa de ser uma assustadora realidade).
A aproximação da morte de ambos faz com que algumas convenções sociais impostas ao amor de hoje sejam irrelevantes e à subversão das mesmas é que dê ainda mais gás ao carinho que um nutre pelo outro. Um dos pontos altos da relação dos protagonistas está na cena em que, após Fred ter levado a amada a um restaurante de luxo para jantar, Elsa o desafia a saírem correndo sem pagarem a conta. Apesar de problemas no coração, respiratórios, de coluna e outras adversidades, é naquele momento que Fred se sente mais vivo em anos.
Será que estamos nos sentindo vivos a cada novo encontro com os nossos parceiros? Vale a pena comemorar um Dia dos Namorados de mentirinha só pra afirmar para a sociedade que somos fortes o suficiente para não ficarmos sozinhos?
Feliz Dia dos Namorados só para quem merece!
Newsletter:
© 2010-2025 Todos os direitos reservados - por Ideia74