Blog do Vinho

Agora a mãe sou eu. E hoje é meu dia

por Suzamara Santos
Publicado em 9 de maio de 2021

Já são muitos Dias das Mães na minha conta. Vivenciei esta data como filha, como filha e mãe e atualmente só como mãe. Cansei de reclamar dos vinhos “fraquinhos, docinhos, praticamente suco de uva” que muitos filhos acham que a homenageada vai gostar. Insisti que as mães têm olfato, paladar e intuição para apreciar vinhos complexos, distinguir aromas e fazer harmonizações inteligentes. E tudo o que escrevi nesta data foi pensando no vinho que gostaria de compartilhar com a minha mãe.

Cores lindas remetem a tecidos como cetim e seda. Foto: Banco de Imagem

Desta vez não é diferente… bem… é diferente sim. Não iria escolher um vinho equilibrado, fragrante, gastronômico, sem defeitos… de sempre. Há algo em minhas memórias que está reverberando na minha cabeça já há várias semanas: dona Florinda, minha mãe, foi uma grande costureira, o que explica o meu interesse por roupas bem cortadas, tecidos bons de tocar e cores combinantes.

Ela tinha o seu quartinho de costura, onde ficava uma máquina, uma cadeira e uma cômoda que servia de mesa de corte, com três gavetões, um deles lotado de retalhos de tecidos, onde as gatas pariam enchendo a casa de graça e miados. Minha infância foi ouvindo o som da gataria, das tesouras, o ritmo da agulha no tecido e sentindo o cheiro exalado do ferro marcando as pregas das roupas das freguesas.

Demorei para fazer uma associação que hoje me parece cristalina e explica o vinho que tomaria com a minha mãe neste domingo: o rosé (ou rosado, como queira). É um vinho que me remete a cetim, a seda. Seus matizes de cores, que vão do salmão à telha, da fúcsia ao rosa pálido, do citrino ao terroso… fazem dele uma das bebidas mais atraentes ao olhar que existem. Sempre fascinantes, límpidos, brilhantes.

Não por acaso, é um vinho apresentado em garrafas de vidro branco para que o quesito cor também seja avaliado pelo apreciador na hora da compra. No olfato, costuma remeter a penteadeiras antigas, talco, flores. Ou nos levam a passeios ao ar livre, com toques de folhas vivas e frutas silvestres.  Na boca, são macios, discretos, contidos e acima de tudo frescos como um… cetim, uma seda.

Com tais atributos ainda há quem defina os rosés como “vinhos femininos”. Já me incomodei muito com essa pecha, pois coloca em dúvida a capacidade das mulheres de apreciar vinhos complexos e a própria qualidade dos rosés. Hoje, eles têm mais prestígio justamente pelos predicados que por tanto tempo serviram para mantê-los longe das adegas “refinadas”.

Hoje, se tivesse o privilégio de dividir um rosé com a dona Florinda, não perderia tempo explicando fundamentos do vinho, sua história, suas harmonizações, sua acidez etc e tal… Nada disso. Diria apenas “veja, mãe, que vinho bonito. Parece cetim. Vamos secar essa garrafa e falar bobagem.”

Já as notas de degustação, os comentários técnicos, as observações sobre temperatura, acidez, corpo… faço com meu filho, que está dando seus primeiros passos no mundo do vinho. Afinal, agora a mãe sou eu e, como tal, quero o melhor para a minha cria. E hoje é meu dia.

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