Hoje, os espumantes brasileiros enchem de orgulho apreciadores dentro e fora do Brasil. Sem bairrismo, a evolução das nossas borbulhas é incontestável. Mas poucos sabem que essa história começou a mais de um século. Precisamente, em 1913, quando Armando Peterlongo iniciava a produção de um “champanhe nacional”, pelo método clássico (champenoise). Quem resgata a trajetória dessa fascinante bebida é o mestre Adolfo Lona, argentino que chegou ao Brasil em 1973, contratado pela recém-instalada Martini e Rossi, que predominava pelas gôndolas com o vinho Château Duvalier e o espumante De Greville. Desde então, Lona tem colaborado ativamente para a evolução das nossas borbulhas por meio de cursos, blog e, em especial, com a elogiada marca de espumantes que leva seu nome. Lona participou e assistiu a tudo o que rolou de importante neste segmento nas últimas quatro décadas. Compartilho aqui, um pouco das memórias desse produtor, publicadas originalmente em seu blog pessoal, o Vinho Sem Frescura (http://adolfolona.blogspot.com/).
BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DOS ESPUMANTES NO BRASIL
(Por Adolfo Lona)
Todos conhecemos a origem do vinho de Champagne e sua evolução até nossos dias, passados quatrocentos anos. Hoje, com justiça, é considerado um dos vinhos mais emblemáticos e desejados do mundo. No Brasil, a história é bem mais curta, somente algo mais de cem anos, mas não por isso menos interessante.
Vou me permitir relacionar as pessoas, os produtos e os acontecimentos que, ao longo deste tempo, permitiram que os espumantes brasileiros ganhassem o prestígio que eles têm atualmente junto ao mercado consumidor. Representar quase 80% das vendas totais anuais, é uma clara demonstração desta afirmação.
ARMANDO PETERLONGO – Foi indiscutivelmente o pioneiro que, no ano de 1913, começou em Garibaldi a produzir espumantes pelo método tradicional. Com sua tenacidade e empreendedorismo, transformou a marca Peterlongo em sinónimo de “champagne” como era chamado na época. Ganhou prestígio, frequentou as mesas do Itamaraty e da sociedade brasileira. Garibaldi ganhou fama como a cidade do champagne.
GEORGES AUBERT – Em 1951, chega à cidade essa empresa francesa disposta a produzir espumantes de qualidade pelo método Charmat. Em poucos anos, e tendo no comando Gilbert Troier, os espumantes Georges Aubert passaram a dividir a liderança de mercado com Peterlongo e a contribuir também para a fama da cidade.
DE GRÉVILLE – Em 1973, chega à Garibaldi a famosa Martini e Rossi, que na época tinha uma excelente rede de distribuição, através da qual transformou o vinho Château Duvalier no mais vendido e até hoje não superado como marca individualmente. Em 1974 vendia 1.200.000 caixas de seis unidades. O presidente da empresa na época, o saudoso Francesco Reti, um homem visionário e conhecedor do mercado brasileiro como poucos, decidiu fazer instalações para produzir espumantes. Eu tive o privilégio de ser escolhido em Mendoza, em fins de 1972, para assumir o controle dos engarrafamentos do vinho em Caxias, e das obras de construção da cantina em Garibaldi. Atuou como consultor o Sr. Silvain De Sournac, enólogo da vinícola Cazanove de Champagne. O champagne De Gréville, apesar de ser elaborado pelo método Charmat, seguia a técnica de champagne e lançou o estilo de espumantes mais maturados. De imediato, pela qualidade e pela distribuição, De Gréville ganhou destaque e mercado dentro do segmento de espumantes premium.
CHANDON – Em 1976 chega também a Garibaldi, a empresa PROVIFIN, Produtora de Vinhos Finos, formada pela associação entre a Cinzano, que aportou sua rede de distribuição, a Monteiro Aranha, que aportou recursos, e a Chandon francesa, que aportou o nome e os recursos técnicos. O diretor técnico da Chandon da França, Philippe Culon, trouxe do Chile o enólogo Mario Geisse, que comandou a vinícola durante anos, e veio para reforçar a oferta de espumantes de qualidade. Mario posteriormente sairia da Chandon para criar sua própria produtora e também contribuiria substancialmente para consolidar a imagem do Rio Grande do Sul como produtor de espumantes de qualidade. O grande mérito da Chandon, além de ter contribuído para a imagem dos espumantes brasileiros junto ao mercado consumidor, foi ter substituído o nome champagne por espumante. A denominação espumante oferecia resistência das cantinas porque era associado a sidras e bebidas de menor qualidade. Com a chancela da Chandon o mercado aceitou a denominação e os produtores o adotaram definitivamente. Brasil começava, finalmente, a respeitar as denominações de origem que não lhe pertenciam. Foi um grande passo.
ANGELO SALTON – Assim como as empresas internacionais contribuíram com recursos investidos em mídia, distribuição a nível nacional e com modernas tecnologias de produção, Angelo Salton contribuiu, com seu entusiasmo e esforço, com a expansão a oferta do mercado de espumantes brasileiros. A vinícola Salton produzia, na época, vinhos finos nos quais concentrava seus esforços. Angelo muda o foco para a produção e comercialização de espumantes e assume pessoalmente o desafio de crescer substancialmente neste segmento. Assim como Francesco Reti, da Martini, em 1973, foi um visionário e o tempo demonstrou o quanto ambos estavam corretos. Angelo iniciou seu incansável trabalho no Estado de São Paulo, onde morava, e teve tanto êxito que a marca Salton se transformou em líder de mercado. Esta liderança não foi casual nem passageira. Até hoje, Salton lidera a comercialização de espumantes e possui uma das mais modernas instalações de produção da bebida pelo método Charmat.
VALDUGA – Essa vinícola, dirigida pela admirável dupla João e Juarez Valduga, sempre teve como foco central a produção de vinhos. Desde os anos noventa, produzem vinhos finos de qualidade e investem fortemente no enoturismo. A esse respeito é justo ressaltar que Juarez Valduga foi um dos idealizadores do Vale dos Vinhedos e muito do sucesso atual é devido a ele. Sem dúvida, outro visionário. Com o tempo acrescentaram rótulos produzidos em outros países e reforçaram sua atenção nos espumantes. Quando a Domecq decidiu sair do Brasil e encerrar suas atividades em suas belas instalações em Garibaldi, a Valduga as adquiriu e criou uma vinícola, a Domno do Brasil, onde produziria espumantes pelo método Charmat. Com a marca Nero ganhou mercado rapidamente e contribuiu para o aumento de consumo de espumante no Brasil. Considero a Valduga uma das empresas vitivinícolas mais lúcidas do Rio Grande do Sul. Há poucos anos, percebendo o avanço das cervejas artesanais, criou e lançou a cerveja Leopoldina para entrar num mercado conhecidamente promissor.
COOPERATIVA AURORA – Esta empresa é um exemplo de organização e dinamismo. Há poucos casos no mundo de uma cooperativa vinícola com tamanho sucesso. Aurora, além de participar ativamente do mercado de espumantes, possui uma das instalações mais modernas para produzi-los pelo método charmat. Aurora, assim como a Cooperativa Garibaldi, oferecem serviços de elaboração de espumantes (eu faço aí meus Charmat) a vinícolas pequenas e possibilitam que estas possam participar do mercado. O investimento necessário para uma boa instalação é extremamente elevado e inviável para quem produz menos de 100 mil garrafas anuais.
PROSECCO – Este espumante da região do Veneto, na Itália, entrou muito forte no mercado brasileiro, em especial no Estado de São Paulo e também contribuiu para o aumento de consumo. O nome, muito apropriado, se tornou sinônimo de espumante e até hoje alguns consumidores os confundem.
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Este artigo não tem nenhuma pretensão de ser completo, já que, com certeza, muitas pessoas, empresas e produtos mais também ajudaram a divulgar o espumante e a fomentar o consumo. Me desculpem por ter resumido nestes que citei. É mais um relato do que vivenciei desde minha chegada ao Brasil em janeiro de 1973. Aproveito para homenagear todos e agradecer pelo esforço. Quero encerrar dizendo que tenho certeza que poucos produtos derivados da uva e do vinho, tem um futuro tão promissor como o espumante. TINTIM…
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