“O que nos causa problemas não é o que não sabemos.
É o que temos certeza que sabemos e que, no final,
não é verdade”. Mark Twain (1835-1910)
O filme “A Grande Aposta” (2015) insere-se numa narrativa quase didática para dramatizar o colapso do mercado imobiliário de 2008 nos Estados Unidos. Todos os personagens estão ali para corroborar sobre essa crise que quase ninguém havia percebido, mas que estava ali, à espreita, bastando um olhar mais atento, com uma boa dose de desconfiança, para um mercado que rendia lucros há décadas.
Com jargões bem específicos do “economês” e uma história que por vezes parece difícil de acompanhar, principalmente para quem nunca ouviu falar de títulos subprime ou tenha qualquer afinidade com economia, “A Grande Aposta” se torna um filme extremamente engraçado, algo que não se imagina quando se fala de uma das maiores crise financeira da atualidade, considerada pelos economistas tão grande quanto a queda da bolsa em 1929.
Os roteiristas, Adam McKay (também diretor do filme) e Charles Randolph, transformam esse tema de pouca abrangência para os “não iniciados” no mundo financeiro, em algo palatável e, mesmo com uma trama recheada de detalhes e subtramas, fazem com que o mais importante seja entendido: uma mentira repetida diversas vezes pode se tornar uma verdade. Estamos à mercê de políticas de bastidores que definem nossa vida e o destino econômico de um país, nos mostrando o quão frágil pode ser toda essa estrutura financeira na qual estamos alicerçados.
Para que essa narrativa ganhe ritmo e avance de forma fluída, McKay emprega dois expedientes bem distintos: a quebra da quarta parede e a montagem.
A quarta parede é uma espécie de “divisão” entre o público e o filme exibido, mantendo a nossa suspensão da descrença (quando acreditamos no que estamos vendo). Ao quebrar essa parede, colocando os atores para falar com o público, em frente à câmera, acabamos com esse espaço imaginário nos lembrando de que estamos diante de um filme, uma ficção, mesmo que seja baseado em fatos reais. Em “A Grande Aposta” esse expediente é utilizado para nos ajudar nas explicações desse caos financeiro e para isso utilizam celebridades “interpretando” elas mesmas como são o caso da cantora teen Selena Gomez, da atriz Margot Robbie e do chef de cozinha Anthony Bourdain que faz um paralelo dos títulos do mercado financeiro com as sobras de peixe do seu restaurante. Claro que essas “explicações” possuem uma dose grande de ironia, criticando essa tendência do espectador comum de acreditar em tudo que as “celebridades” dizem.
Mas, nessas ferramentas utilizadas para nos prender a atenção em meio a uma narrativa permeada de dificuldades, podendo facilmente resvalar à perda de interesse pelo excesso de termos técnicos, os efeitos de montagem ganham destaque e se tornam quase o “personagem principal” dessa história. Feita de forma fragmentada, com idas e vindas, efeitos de câmera, imagens de outros suportes (vídeo, programas jornalísticos), etc, ela garante o ritmo frenético da narrativa, ajustando-se às necessidades de cada personagem, apresentando um filme quase lisérgico, profundamente influenciado pelo O lobo de Wall Street. A montagem é utilizada como um ato criativo, essencial na associação entre imagens e sons, tendo um papel central e extremamente significativo na verborragia e excesso de informações da narrativa. Existe uma organicidade entre imagens, personagens e ritmo que se instaura nesse jogo entre atores e público, principalmente quando eles, literalmente, falam com a audiência. Os personagens estão sempre em movimento ou em tensão, explorando todo o espaço do enquadramento, como se estivessem tentando encontrar uma saída.
Ao final, não saímos do filme experts em economia, mas conseguimos vislumbrar o quanto somos peças pequenas nesse grande tabuleiro dos interesses e falcatruas do capitalismo selvagem, no qual o lucro acima de tudo é meta frequente, mesmo que para isso precisem apostar na perda de emprego e em piores condições de vida para uma boa parte da população.
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