Em um momento em que a discussão sobre transgêneros ganha visibilidade em debates ao redor do mundo, é gratificante que uma produção mainstream se aventure nessa temática, mas infelizmente, não só de boas intenções se faz um filme que tenha a coragem de problematizar a complexidade de um assunto repleto de preconceitos – cirurgia de mudança de sexo – e ainda ser uma boa opção de entretenimento.
No filme “A garota dinamarquesa” (2015), baseado no livro de David Ebershoff, uma “biografia” com altas doses de ficção, acompanhamos o casal de pintores dinamarqueses Einar e Gerda Wegener, na Copenhagen da década de 20. Ele (Eddie Redmayne) é um pintor de relativo sucesso na carreira, enquanto ela (Alicia Vikander) ainda não encontrou seu verdadeiro lugar nesse universo artístico. Tudo muda quando Einar começa a dar vazão aos seus desejos reprimidos, questionando sua identidade de gênero até optar por uma intervenção cirúrgica para mudança de sexo, o primeiro caso documentado desse tipo de operação, tornando-se Lili.
Com esse personagem tão transgressor em pauta, capaz de se (des) construir socialmente e sexualmente, isso em plena década de 20, esperava-se que qualquer diretor optasse por uma narrativa e/ou mise en scene no mínimo ousada, que se colocasse junto a essa personagem, acompanhando-a nesses (des) caminhos de uma jornada ao mesmo tempo triste e profícua. Mas não é o que acontece com Tom Hooper, diretor de “A garota dinamarquesa”. Seu cinema é pueril, sempre optando por um simplismo narrativo que geralmente é encoberto por uma requintada direção de arte e direção de fotografia. Foi assim com o correto “O discurso do rei” (2010) e com a famigerada adaptação da obra de Victor Hugo, “Os Miseráveis” (2012). Hooper transforma a história de dor e aceitação de Einar e Gerda em um romance “açucarado”, no qual temos uma trilha sonora que insistentemente tenta conduzir nossas emoções de forma extremamente maniqueísta.
Com todos os problemas inerentes a essa adaptação, talvez o grande acerto de “A garota dinamarquesa” seja dar visibilidade as questões de gênero, colocando esse assunto tão atual no centro de sua narrativa. Ainda assim não consegue acrescentar nada de novo ao tema, não há problematização suficiente, simplifica a questão de gênero sexual, estereotipa o lugar do feminino e prefere uma visão romantizada a realmente mostrar o que pode ter sido o calvário pelo qual tanto Einar/Lili quanto Gerda possam ter passado por terem tido a coragem de serem tão diferentes em um mundo onde a maioria opta pelo igual e pelo confortável.
Mas nem tudo são apenas erros nas escolhas do diretor. Hooper consegue extrair o melhor de seus dois atores principais. A figura quase andrógina de Redmayne funciona maravilhosamente, tanto na personagem Einar quanto em Lili, mesmo que em alguns momentos a visão do feminino dessa interpretação seja carregada de estereótipos com sorrisos tímidos e piscadelas cabisbaixas. Mas, a grande revelação, é a sueca Alicia Vikander que consegue ser uma presença forte e luminosa em tela, defendendo com muita emoção a sua personagem. No final das contas, com a força da interpretação de Vikander, fica-se na dúvida de quem realmente seja a garota dinamarquesa do título.
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