O Globo de Ouro, considerado o maior dos termômetros para os favoritos ao Oscar, rendeu semana passada à "A Rede Social", novo trabalho de David Fincher, o prêmio de Melhor Filme de Drama (similar ao Best Picture da Academia). Nele somos apresentados a Mark Zuckerberg, gerador de uma das maiores fortunas do mundo devido a problemas de relacionamento na universidade. O enclausuramento social e pessoal do jovem protagonista (vivido pelo talentoso Jesse Einsenberg) fez com que sua genialidade para o mundo virtual despontasse e uma ideia aparentemente boba se transformasse num fenômeno do mundo contemporâneo: o site de relacionamentos Facebook.
Longe de defender o personagem principal, "A Rede Social", assim como uma vasta fornada de produções subversivas dos últimos tempos, atém-se a ideia central do roteiro, não se preocupando em gerar no espectador uma empatia com o protagonista, como acontecia permanentemente no cinema clássico. A chamada “jornada do herói”, teoria que explica os caminhos dramáticos pelos quais um personagem segue ao longo de um roteiro, a fim de construir o desfecho de sua trajetória, já vem há algumas décadas sofrendo inversões, sem que o happy end seja prioridade (principalmente a partir do final da década de sessenta e a instauração definitiva do cinema moderno).
Esta introdução existe, na verdade, para falarmos das novelas. Na penúltima sexta-feira, "Passione", o antigo folhetim das nove da Rede Globo, teve um curioso desfecho. Sem ter acompanhado nada da história, 'zapeei' a TV do plim-plim às 22h45, minutos antes do fim definitivo. Eis que, sem surpresa alguma, estava acontecendo uma festa (só para constar: era o aniversário de 77 anos da personagem da Fernanda Montenegro, sendo que ela já tem oitenta “e lá vai cassetada” na vida real) com praticamente o elenco de todos os núcleos reunido, muita alegria, casais sendo formados para a vida eterna, beijinhos daqui, beijinhos dali.
Após essa cena (que deveria ser a derradeira) acompanhamos a explicação inesperada do assassinato de um personagem (que havia acontecido há meses na trama). Fred (Reinaldo Gianecchini) está preso (segundo ele injustamente) pelo assassinato de Saulo (Werner Schunemann), mas recebe uma carta na prisão vinda de uma ilha no Pacífico.
A correspondência é de Clara (Mariana Ximenes), que pergunta se Fred gostou do presente deixado por ela atrás do armário (uma faca que o incriminou pelo assassinato). Para encerrar de vez a novela, vemos Clara numa ilha lindíssima e, através de flashbacks, descobre-se como se deu o assassinato de Saulo e como ela conseguiu fugir do acidente que supostamente a havia matado no capítulo anterior. A legenda de fim surge, finalmente, num zoom do rosto maquiavélico da vilã.
Sem comparações equitativas entre cinema e novelas (uma vez que a teledramaturgia é uma arte aberta, suscetível à opinião pública, com alterações graduais de acordo com a empatia dos receptores, produto de um tipo específico de público-alvo, dependente de audiência e, acima de tudo, rápida, sem intervalos grandes de tempo para preparação de roteiro, interpretação e detalhes técnicos) a Globo parece que está tomando jeito e dando maior liberdade para seus autores “brincarem” com as histórias e torná-las mais 'fílmicas'.
O processo é gradual e lento, pois a aceitação de um final não-feliz pelo público noveleiro é quase um martírio, uma vez que milhões de pessoas vivem as histórias junto com seus personagens, torcem pelo sucesso deles e querem, como uma espécie de compensação pelos próprios fracassos pessoais, que tudo termine bem, com muita alegria e felicidade intransponível.
Se a teledramaturgia é realmente um espelho da vida real (premissa constatada nas diversas campanhas defendidas pelas tramas globais) temos de nos contentar que a mocinha morra, ou que o mocinho perca uma perna, afinal, em que mundo vivemos? Na nossa sociedade, quase sempre os vilões se dão bem e os bonzinhos se ferram.
O apelo comercial infelizmente ainda fala mais alto, fazendo com que profissionais competentes se rendam a histórias medíocres, inverossimilhantes e vulneráveis ao gosto de um público não muito exigente (sem generalizações). Não sei se o caminho seria uma aproximação maior entre teledramaturgia e cinema, ou simplesmente a não interferência do público externo no destino dos personagens (a novela poderia começar a ser exibida apenas após o final das gravações).
O que precisa mudar é a mania da televisão brasileira de subestimar os telespectadores, o que esvazia ainda mais sua capacidade crítica. Todos sabem que a Globo (lê-se a melhor emissora de TV do país) é capaz (e muito) de produzir obras de qualidade semelhantes ou superiores ao que vemos mundo afora (o que pode ser comprovado com “Som e Fúria”, “A Cura”, “Os Normais” e outros produtos excelentes da emissora). Porém, para que isso aconteça, é necessário alterar a consciência provinciana do brasileiro. Mas aí o buraco é mais embaixo…
OBS: Já que estou de férias, assisti o primeiro capítulo de "Insensato Coração", nova novela das nove da Globo, que estreou na última segunda-feira, dia 17. A trama de Gilberto Braga me pareceu criativa, porém peca um pouco na continuidade do roteiro e na técnica, que tinha a proeza de, já no primeiro capítulo, gravar um sequestro de avião em pleno ar, um assassinato na cabine do piloto e o encontro dos protagonistas em meio a tudo isso. Ficou tudo bem inverossímil. As qualidades que pude perceber são as interpretações de Gabriel Braga Nunes e Tuca Andrada, dois atores oriundos da Rede Record (conseguimos perceber o upgrade que a direção de elenco da Globo permitiu aos dois), a personagem de Deborah Secco (divertidíssima) e a trilha de abertura, "Coração em Desalinho", interpretada maravilhosamente bem por Maria Rita (sem que a arte gráfica acompanhasse o primor, no entanto).
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